Emmanuele Baldini e Karin Fernandes fazem o Brasil brilhar na Naxos

Em um ano de pesadelo kafkiano, em que as notícias do meio cultural oscilam entre o ruim, o péssimo e o bizarro inverossímil, o projeto Brasil em Concerto, de gravação e difusão global de nossa música clássica pelo Selo Naxos, ganha tonalidades épicas e miraculosas.

Lançada, no começo do ano, com um deslumbrante CD da Filarmônica de Minas Gerais sob a regência de Fabio Mechetti, com obras de Alberto Nepomuceno (1864-1920), a iniciativa agora chega à música de câmara, com sonatas para violino e piano de Leopoldo Miguéz (1850-1902) e Glauco Velásquez (1884-1914), na interpretação do spalla da Osesp, o triestino Emmanuele Baldini, e da pianista Karin Fernandes.

Leitores mais atentos vão se lembrar de que, a rigor, não se trata de um disco inédito. Efetivamente, é a mesma gravação que Baldini e Fernandes lançaram em 2015, no CD Delírio. A novidade é que o álbum independente, modestamente produzido com os recursos do ProAC, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, agora, dentro do catálogo da Naxos, salta as fronteiras de nossa província e adquire dimensão internacional.

 

E não deixa de ser saudável que, depois de Nepomuceno, a Naxos mostre ao mundo a música brasileira de dois de seus contemporâneos, mostrando que nossa produção não se limita apenas aos badulaques e balangandãs da escola nacionalista.

Miguéz, afinal, é o compositor mais emblemático do início do regime republicano brasileiro – a época, esteticamente, em que nossos autores buscavam romper com a herança operística italiana e se sintonizarem com as novidades vindas da Alemanha e da França. Vigorosa e ambiciosa, incluindo um episódio em fuga no terceiro movimento, sua Sonata Op. 14, de 1885, não se parece com nada feito em nossas terras até então, refletindo não apenas as tendências da época, como a extrema destreza do compositor ao violino. Poderia ser considerada a equivalente brasileira da Sonata em lá maior, do belga César Franck (1822-1890) – que, não custa lembrar, seria composta apenas um ano depois.

Já o par de sonatas de Velásquez ecoa não apenas as pesquisas de Miguéz, como a robusta e refinada produção de Henrique Oswald (1852-1931), o “pai fundador” de nossa música de câmara. Pela ambiência geral e pelo falecimento precoce, Velásquez costuma ser comparado a outro autor belga, Guillaume Lekeu (1870-1894), e sua poética afrancesada, cujo je ne sais quoi de matizes simbolistas acaricia os ouvidos do século XXI, soava ousada para o panorama cultural do Brasil da belle époque.

Baldini e Karin abraçam esse repertório com carinho e convicção, interpretando as obras com meticulosidade, senso de estilo e solidez técnica, dando uma lição de como o Brasil deve valorizar e preservar suas melhores riquezas, em tempos de devastação e desvario.

O CD de Emmanuele Baldini e Karin Fernandes está disponível na Loja CLÁSSICOS

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