Governo decreta a morte da Filarmônica em acordo assinado para gestão da Sala Minas Gerais 

por Nelson Rubens Kunze 07/04/2024

Documento é explícito em relação ao fim da Sala Minas Gerais como espaço dedicado à música clássica e determina que Filarmônica tem que desocupar a sala até o próximo dia 31 de julho; governo promove “canibalismo cultural” ao jogar Sesi Minas contra a orquestra 

O governo do estado de Minas Gerais decretou a morte da Filarmônica de Minas Gerais. A orquestra, paradigma brasileiro tanto do ponto de vista artístico como de gestão, deixará de ser o que conhecemos. 

Em uma ação política inacreditável, o governo põe fim a um projeto sinfônico moderno, aberto, plural e democrático, que, além de sua função precípua de ser difusor do grande patrimônio histórico (não custa lembrar, esse patrimônio é uma das mais significativas criações do gênio humano), desenvolve programas para formação de novas plateias, academia de ensino, fomento a novas composições, concertos ao ar livre, turnês pelo estado, resgate do repertório brasileiro, música de câmara e muito mais. A Filarmônica e seu maestro Fábio Mechetti produziram álbuns distribuídos pelo selo Naxos e elogiados por alguns dos mais rigorosos críticos do mundo (clique aqui para conhecer, por exemplo, as resenhas internacionais dedicadas ao CD com obras de Nepomuceno). Por seu trabalho, a Filarmônica de Minas Gerais conquistou aclamação e repercussão internacional. 

Quando li sobre a gestão compartilhada do Acordo de cooperação técnica assinado pela Codemig e pelo Sesi Minas pensei, na minha ingenuidade, que fosse uma gestão compartilhada com a Filarmônica de Minas Gerais. Ledo engano! Lendo o documento agora, vejo o óbvio: o compartilhamento é entre a Codemig, empresa estatal proprietária do espaço, e o Sesi Minas, e exclui a Filarmônica de Minas Gerais de qualquer participação.

No Acordo em si, a Filarmônica é citada uma vez, para registrar que existe um contrato de gestão do Instituto Cultural Filarmônica com a Secretaria da Cultura (que expira em 31 de dezembro de 2024) e um termo de permissão de uso assinado com a Codemig, que vai até o dia 31 de julho de 2024. A Filarmônica aparece mais três vezes no Plano de trabalho integrante do Acordo, onde estão estabelecidos os cronogramas e prazos da nova cooperação. Ali lemos que a Filarmônica deve apresentar a “definição da agenda de utilização de 2025” até 30 de maio de 2024, e que a “desmobilização dos contratos de serviço da Filarmônica” e a “Desocupação de todos os espaços pela Filarmônica” deve ocorrer até o próximo dia 31 de julho, que é quando se encerra o termo de permissão de uso que a orquestra assinou com a Codemig. Sim, a Filarmônica deve desocupar a sua sede até o próximo dia 31 de julho! Ao subtrair da Filarmônica a sua sede, o governo de Minas Gerais escancara a sua intenção de acabar com um dos mais bem-sucedidos projetos culturais de nossa geração. 

Tenho grande simpatia pelo Sistema S, que congrega as organizações paraestatais Sesc, Senai, Senac e Sesi. Em São Paulo, sabemos do papel crucial e estruturante que o Sesc representa para a Cultura. Não conheço especificamente a ação do Sesi em Minas Gerais, mas acredito que deva ter relevância e impacto social. O fato de a entidade manter uma orquestra de câmara há muitos ano, já é bom sinal.

Ao celebrar o novo contrato de cooperação para a gestão da Sala Minas Gerais criando uma disputa entre o Sesi Minas e a Filarmônica, o governo de estado promove um verdadeiro “canibalismo cultural”. De forma ardilosa, o governo se utiliza de uma entidade de importante ação cultural de escopo geral para atropelar um projeto voltado à música clássica. Ao estabelecer uma disputa entre Sesi Minas e Filarmônica, o governo espera adesão de apoio popular contra uma atividade que julga, por ignorância e preconceito, elitista e conservadora. 

É mentirosa a fala do presidente da Fiemg - Federação das Indústrias do estado de Minas Gerais, que mantém o Sesi, quando diz que a sala é “subutilizada”, com apenas “três horas de espetáculo por semana”, o que impede o prédio de “estar vivo, ocupado, borbulhando”. Não são três horas por semana que a Sala Minas Gerais é ocupada pela Filarmônica, são 270 dias ao ano, como a orquestra bem respondeu. E o prédio está, sim!, vivo, ocupado e borbulhando! 

Portanto, pelo menos em relação à Sala Minas Gerais, não cabe o que o Acordo afirma, de que “esses equipamentos têm sido subutilizados, de modo que se percebeu a necessidade de ampliar e diversificar o uso dos espaços compreendidos pela Sala Minas Gerais, estacionamento e Mineiraria”.

Mas o governo joga a pá de cal sobre a música clássica quando afirma, no Acordo, que entre seus objetivos específicos está a “realização de eventos e ações diversas voltadas para a exposição e a valorização da cultura mineira, com ênfase nos segmentos artístico e culinário, utilizando os espaços e recursos disponibilizados pela Sala Minas Gerais e pela Mineiraria”. Ou então, “Divulgação do equipamento como um local multimodal apto a receber eventos de diversas naturezas”.

O que são eventos e ações diversas voltadas para a exposição e a valorização da cultura mineira? O que quer dizer local multimodal apto a receber eventos de diversas naturezas? Não é possível que alguém que conheça a Sala Minas Gerais não reconheça que esse espaço tenha sido pensado e construído para a música de concerto, que a vocação dele seja a música clássica. É tão óbvio quanto quadra de tênis não servir para jogo de basquete!

Alterar ou desqualificar a vocação da Sala Minas Gerais – que por meio da Filarmônica de Minas Gerais tem levado ao mundo a imagem de um estado comprometido com a cultura universal e com a excelência artística –, é um equívoco do governo do estado, da Codemig e do Sesi Minas, que esperamos seja reavaliado. 

Do jeito que está, o Acordo firmado entre a Codemig e o Sesi Minas, avalizado pelo governo do estado de Minas Gerais, significa a destruição de um dos mais relevantes e valorosos projetos culturais do Brasil!

[Matéria editada em 08/04, às 23h30, para a seguinte correção: diferentemente do que estava publicado, quem afirmou que a Sala Minas Gerais é “subutilizada” o que a impede o prédio de “estar vivo, ocupado, borbulhando” foi o presidente da Fiemg, e não o presidente da Codemig.] 

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Filarmônica em apresentação na Sala Minas Gerais: música clássica  (divulgação, Rafael Motta)
Filarmônica em apresentação na Sala Minas Gerais: música clássica  (divulgação, Rafael Motta)

 

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Comentários

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Infelizmente não é apenas meu Estado (BA) que carece de uma real política pública para a música de concerto. Isso requer do poder público conhecimento sobre o campo, visão de conjunto, articulação entre projetos e investimentos e, sobretudo, um plano de longo prazo cujos resultados sejam monitorados e avaliados pelos agentes envolvidos e pela cidadania que é quem paga toda essa conta. Sem isso o que vemos é apenas investimento populista, personalismos movidos a vaidades, supervalorização de interesses pessoais em lugar do interesse público e descontinuidades cíclicas. É completamente incoerente o cenário de Minas. O Governo investe milhões para construir uma sala que talvez seja a mais qualificada do país para a execução e fruição da música de concerto e agora, por não fazer desse espaço uma mola propulsora para uma real política pública para a música de concerto, penaliza a Filarmônica. Ainda como Diretora Executiva da OSBA, em 2019, fui gentilmente recebida por Diomar Silveira e a equipe da Filarmônica. E o quadro que se assevera agora já existia: o contrato com o Estado não garantia nem a folha e a gestão da Sala Minas já vivia em disputa. Fiquei profundamente admirada com a capacidade do Instituto em manter tanta qualidade artística mesmo enfrentando um contexto de gestão tão desafiador. Se, como a Bahia, Minas Gerais não tivesse tantas empresas interessadas em usar Leis de Incentivo para custear suas contrapartidas sociais a conta jamais fecharia. Cinco anos depois, quase três deles atravessado por uma pandemia, a grande ideia do Governo do Estado é dificultar ainda mais que a Filarmônica faça seu trabalho não parece lógica. A menos que, de fato, a ideia seja descontinuar a Filarmônica. Algo que eu custo a acreditar.

Uma rápida busca na internet e surgem diversas notícias da vontade do Gov de Minas de privatizar a CODEMIG, que é a dona da Sala Minas. Diferente de outros exemplos como a Sala São Paulo, que pertence ao governo do estado, a Sala Minas tem acionistas por meio da CODEMIG. É uma situação muito particular na qual tanto governo de Minas quanto os acionistas da empresa devem ser cobrados. Afinal, lá atrás a empresa cedeu o terreno e construiu a sala sob quais condições? Tirar o direito de gestão da sala, previsto no contrato de gestão/termo de parceria é sufocar e inviabilizar tanto a Orquestra quanto o ICF. Mais do que isso. É também um golpe no modelo de gestão por meio de Organizações Sociais de Cultura. Talvez o mais significativo desde a criação do modelo em 1998.

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Difícil acreditar no acordo feito para desabilitar a Orquetra Filarmonica de MG. Pra mim isto é fruto de ignorância e ganância. Só quem não conhece o trabalho da orquestra poderia pensar em tomar essa atitude. A população de Minas que algum dia pode ouvir e se maravilhar com a a Filarmonica precisa se mobilizar e se manifestar contra esse absurdo.

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Espero que isso não venha acontecer, que o governo se dê conta desse enorme erro e o corrija a tempo. Mas que também a sociedade reaja e busque soluções. Parece que esse dirigente que chegou a propor isso desconhece o que foi feito para se conseguir essa conquista do povo de Belo Horizonte.

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Nossa, essa sala é maravilhosa, essa orquestra um presente para os mineiros. Não podemos deixar isso acontecer de jeito nenhum!!!

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Será que Minas Gerais irá seguir os mesmos passos que o Rio de Janeiro, no retrocesso e desmonte da música de concerto? Temos por aqui exemplos gritantes do descaso e incompetência dos (des)governos. Outrora o Rio de Janeiro conhecido como centro musical nacional, tornou-se um símbolo do atraso e caminha na contramão de todas as tendências seguidas no cenário internacional. O que dizer da utópica Cidade da Música destinada a ser a sede da Orquestra Sinfônica Brasileira, o que seria a mais importante sala de concertos do país? Hoje tornou-se Cidade das Artes que abriga todo e qualquer tipo de evento, desde feiras empresariais de favelas, premiações do mundo financeiro, montagens teatrais e quando dá, um concerto aqui, outro ali. A Sala Cecília Meireles em sua gênese criada para ser a sala de música cameristica carioca, passa grande parte de seu tempo de portas fechadas, com programações de pouca relevância e inserindo música popular em sua grade de eventos e por fim, o mítico Teatro Municipal também abrindo para a música popular e uma programação que deixa a desejar qualquer adorador da opera, balé e concerto. Pobre Brasil.

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A Sala Minas Gerais da Filarmônica, com séde em Belo Horizonte (MG) representa o que há de melhor em nosso país, dentre os poucos espaços culturais de nossa federação. A Filarmônica de MG permeia um público diversificado, de todas as faixas etárias e sociais, e representa um instrumento cultural de transcendência inestimável. Ter cultura e sensibilidade pela música de bom gosto não é ser elitista. As atividades da Filarmônica focam em nossos jovens, que merecem uma oportunidade única de adquirir cultura musical, como expressão civilizadora de manifestação do gênero humano, sentimento intangível que os impactará por toda vida.
A Filarmônica é motivo de orgulho dos mineiros; foi com emoção e imenso prazer que eu e minha esposa presenciamos o concerto de inauguração da Sala Minas Gerais, em 27 de fevereiro de 2015, o locus da Filarmônica, que pensei, definitivamente por muitos anos e décadas sucessivas. Um legado. Então, em apenas nove anos decorridos, seremos vítimas do subdesenvolvimento?
Me vem em mente, o centenário Scala di Milano, das óperas de Verdi, e de muitos outros, o Scala está lá, em Milão, ativo, não perdeu a verve. E aqui? um ledo sonho de verão?

Belo Horizonte (MG), 08 de abril de 2024.
Paulo C. B. Scudino.

Caro Nelson, seu elitismo cultural, falta de autoestima sobre aquilo que defende, e sua vontade de parecer inteligente é admirável. Sr faz questão de usar seu ultimo nome "Kunze" porque acha chique? Os mais desavisados devem te achar um grande conhecedor e defensor da cultura, mas a mim você não engana.

Já fui da filarmônica e des do governo Anasthasia ela está em frangalhos e parte da culpa é de gente como o senhor que não pensa em inovar! Andre Rieu faz isso, e lota seus show. Ok, sr vai falar que ele é muito "popzinho", mas meu caro, esse é o mercado, ou melhor(facilitar pro senhor) essa é a livre escolha das pessoas em irem nos eventos que mais chamem sua atenção.

Triste quando os outros não são evoluídos como você, em? Que não tem um nome chique, e esse amor a música clássica apesar de não ter citado um único exemplo. Enfim, caro elitista recalcado, a Sala Minas pode ser usada sim para outros eventos, ano passado fui no show de comédia do Maurício Meireles e lotou! Logo, abra sua mente, aceite que quem paga o ingresso tem o poder de decidir o que vai ou não consumir, e não uns reacionários que se acham cultos, mas via de regra que só leram 3 livros em toda sua vida.

Por fim, não vamos ser picaretas: o medo é da concorrência e não do desmonte a cultura, certo? A filarmônica que se inove, ela não vai morrer se outros setores culturais entrarem na Sala Minas, ela só vai morrer se gente pseudointelectual como o senhor forem os únicos a consumi-la. Ae sr vai em quantas apresentações da Filarmônica por semana?

Democracia só é legal quando o nosso lado ganha né? Hahahha força guerreiro! Vá em um show de comédia, assista basquete, leia um livro até o final: seja feliz!

Atitudes que nos deixam a impressão de terem agido por tras das portas, numa atitude covarde. Sou assinante dos Programas da Filarmonica desde o seu inicio. So tenho a dizer: Um retrocesso devido a ignorancia do poder publico! Lamentavel!

Os Sionistas / fascistas odeiam a cultura as artes a filosofia .São organizados desde sempre com um projeto de idiotizacao,ignorância, ódio,desvalorização de qualquer manifestação artististica .E eles chegaram a todas as esferas de gov .Ex presidente senadores deputados prefeitos e governadores .E pasmem com muito apoio de pessoas da classe artististica .
Nosso futuro é sombrio .

É inegável a importância da sala para Minas. Muito dinheiro foi gasto para sua construção e mais ainda para mantê-la com seus músicos devidadmente remunerados. Entendo a intenção do governo do estado em reduzir custos buscando parcerias e aumentando os dias de utilização da sala. É papel do governo ser eficiente na administração dos recursos. Um estado com infraestrutura tão precária, dívida colossal, funcionalismo sub remunerado, não se pode criticar o governo quando este busca a eficiência nos gastos. Dirão que é má vontade com a cultura,mas os sem esgoto, sem vias pavimentadas, sem segurança dirão o mesmo: é má vontade com a população mais pobre gastar dinheiro com Filarmônica.
Governar é isso. É eleger prioridades e enfrentar incompreensões de toda natureza, dos pobres e dos ricos.

Eu fosse os músicos dessa filarmônica, faria uma barulhada em frente das instituições que pretendem retirá-la do local. Fariam um concerto bem estrambólico durante todo o dia como forma de protestar. A cultura para essa gente não tem valor.

Este governo quer privatizar tudo é para isto sucateia tudo. Usa de mentiras e ações de tremenda incompetência, até propositalmente. É assim vai tornando o Estado cada vez mais sem vida, levantemo-nos enquanto ainda há tempo. Assim tendido com as Áreas de Conservação que deveriam estar protegidas, mas estão cada vez mais entregues à destruição. Triste realidade deste governo.

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A "cultura" neste governo são as músicas ditas " sertanejas" que não tem nada de sertanejo ,por serem patrocinadas pelo agronegócio que visam alienar, massificar o público. É um governo que faz campanha para idolatrar a ignorância, estupidez, tá pouco se lixando para o desenvolvimento da cultura.

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Inacreditável a ação do governo. A música clássica é essencial na formação de qualquer sociedade desenvolvida. A Filarmônica de MG é um exemplo de produtividade, qualidade e sucesso.
Ao ler o texto, sinto vergonha de ser natura de um estado com uma visão tão reles e tacanha para cometer este crime.e cultural.

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Péssimo momento! A Filarmônica é uma atrativo fundamental para Minas Gerais e uma forma de disseminar nossa cultura e nossa essência musical e provedores de talentos.

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