Sinfônica de Campinas e Osesp – a abertura de duas temporadas

por Jorge Coli 14/03/2022

Concerto em Campinas, dedicado às mulheres, teve obra de Denise Garcia, criadora com dons fora do comum; com Thierry Fischer bloqueado na Europa, Osesp foi regida por Neil Thomson

Em Campinas, estive na sexta, dia 11. Abertura com discurseira: prefeito, vereador et caterva. E, durante o concerto para piano de Mendelssohn, três fotógrafos não pararam de correr pela sala toda, afastando-se, aproximando-se a ponto da inconveniência, sem ter – nem eles, nem quem solicitou ou autorizou isso – a menor ideia do que seja um concerto, da concentração que exige. E crianças pequenininhas esperneando e chorando – o concerto era dedicado às mulheres, ok; mas trazer criancinhas é uma tortura para eles e para os outros.

Mas valeu? Mais do que valeu. O concerto abriu com dois hinos: o nacional e o da cidade de Campinas. Felizmente ambos são bonitos, o primeiro, todo mundo sabe, é de Francisco Manoel; o segundo, menos conhecido, é de Carlos Gomes.

O programa começou de fato com uma obra que a Sinfônica de Campinas havia encomendado para Denise Garcia em 2015, Homenagem a Kilkerry. Composição claramente estruturada, mas sem nenhuma frieza, belamente inventiva no jogo de timbres, no uso importante da percussão, traçando caminhos luminosos, preenchendo os silêncios ou os quase-silêncios com uma admirável pontuação, sabendo, com afeto, ampliar as sonoridades. Homenagem a Kilkerry é uma obra admirável, que deveria estar no repertório de todas as orquestras sinfônicas, e Denise Garcia é uma criadora com dons fora do comum. 

Claudia Feres regeu com precisão, intensidade e leveza, qualidades que se revelaram muito presentes no Concerto para piano nº 1, de Mendelssohn, tendo como solista Juliana D’Agostini. Esse maravilhoso concerto, cheio de passagens vivas, que momentos meditativos suavizam de vez em quando, não é apenas uma obra elegante e virtuosística. As intérpretes souberam, sem perder a leveza e os brilhos dourados, dar a ele uma verdadeira profundidade humana e íntima.

A última peça programada foi a suíte extraída do balé sinfônico Callirrhoè, de Cécile Chaminade. Compositora e pianista que, apoiada por Bizet, lutou contra a resistência conservadora da família para seguir com sua carreira artística, escreveu bem mais do que apenas elegantes melodias de salão. Com o interesse renovado pelas obras femininas do repertório, seria mais do que justo ouvir suas composições frequentemente nas salas de concerto. Claudia Feres fez brilhar a Sinfônica de Campinas nessa composição inspiradíssima. 

Enfim, como bis, Campinas oblige, a Sinfonia, de Il Guarany, de Carlos Gomes. Grandes e merecidas ovações por parte de um público entusiasta.

Osesp

O concerto da Sinfônica do Estado – apresentação do sábado, dia 12 – também se abriu com um hino, mas desta vez o da Ucrânia, em homenagem ao país que passa por tão terrível momento. Esse hino foi composto por Mykhailo Verbytsky, padre e músico, em 1863. Seu título, A Ucrânia ainda não pereceu, adquire um sentido forte em nossos dias, e indica o quanto o país, em sua história, teve que lutar para sobreviver. É um belo hino, menos heroico do que lamentoso.

Como Thierry Fischer, o titular da orquestra, ficou bloqueado na Europa, foi substituído pelo maestro Neil Thomson.

Regente de nível muito alto, Thomson deixa fluir a música, saboreando cada momento, a dosagem das intensidades, a fusão dos timbres. Prefere a calma à urgência. Assim, o segundo movimento da Bachianas nº 2, de Villa-Lobos, ofereceu-se com tranquilidade melancólica, e o maestro teve, com o violinista Tedi Papavrami, no Concerto para violino de Sibelius, um parceiro com quem se adequou perfeitamente nessa concepção que diminui os arroubos e dá preferência à bela exposição sonora.

Foi um prazer ouvir o Uirapuru de Villa-Lobos, música admirável, bastante gravada, mas pouco programada. Neil Thomson pôs em valor as qualidades da orquestração – Messiaen dizia que Villa-Lobos era o maior orquestrador de seu tempo – colorindo seu Uirapuru de maravilhosas plumas.

No fim, La valse, de Ravel, que substituiu Amériques, de Varèse, prevista por Fischer. Essa bela abertura de temporada terminou, assim, em apoteose.

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A pianista Juliana D’Agostini e a maestra Claudia Feres em ensaio com a Sinfônica de Campinas (reprodução YouTube)
A pianista Juliana D’Agostini e a maestra Claudia Feres em ensaio com a Sinfônica de Campinas (reprodução Facebook)

 

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