Texto de Lauro Machado Coelho publicado na edição de julho de 2002 da Revista CONCERTO
O esgotamento nervoso que Verdi sofreu, em 1846, devido ao esforço de ter composto cinco óperas em dois anos, fez seu médico lhe impor seis meses de repouso. Interrupção salutar em seu ritmo vertiginoso de trabalho, que lhe permitiu não só recuperar as forças, mas repensar procedimentos de escrita que corriam o risco de tornar-se rotineiros. O resultado, estreado no Teatrola Pergola, de Florença, em 14 de março de 1847, e baseado na tragédia de seu venerado Shakespeare, é a obra mais ousada e inventiva da primeira fase de sua carreira.
A Francesco Maria Piave, que escreveu o libreto do Macbeth, Verdi recomendou todo o tempo "extravagância e originalidade mas, sobretudo, brevidade e sublimidade" – e nessa frase está sintetizado o senso de teatro do compositor, o desejo de fugir das soluções muito batidas, mas também sua noção instintiva do timing e do efeito dramático. Macbeth foi a primeira ópera de cujos detalhes de encenação Verdi cuidou minuciosa e pessoalmente. Exigiu que Felice Varesi, cantor-ator muito inteligente, fizesse o papel-título. Supervisionou os detalhes da reconstituição histórica e infernizou o diretor de cena com os cuidados na iluminação, nos gestos, na movimentação cênica. Poucas horas antes da estreia, exigiu que Varesi e Marianna Barbieri-Nini reensaiassem com ele o dueto "Fatal mia donna", entre Macbeth e sua mulher, pois sabia que, nesse momento climático da ação, nada poderia dar errado.
Embora à crítica não agradasse essa "aberração transalpina do gosto" – sinal de que os conservadores viam nela sinais de influência do Romantismo alemão –, a força dramática de Macbeth conquistou o público de saída. Verdi sabia o valor que ela tinha, pois foi a primeira de suas óperas que proibiu de ser submetida à praxe da puntatura (o hábito de adaptar a tessitura das árias à voz dos cantores disponíveis, cada vez que a ópera passava de um teatro para outro). Mais tarde, para a apresentação no Théâtre Lyrique de Paris, Verdi fez uma revisão completa da partitura, reestreada em 21 de abril de 1865, sem o mesmo sucesso do original. Só na década de 1930 ela foi redescoberta e reavaliada como um dos principais frutos dos primeiros anos de carreira.
O respeito de Verdi por Shakespeare parece ter tido efeito transfigurador em sua música. O já mencionado dueto do ato I é um dos primeiros casos, em seu teatro, em que a forma é ditada pela flutuação de sentimentos das personagens, ao invés de se aplicar à situação – como era comum antes – uma fórmula musical pré-existente. Na Cena do Sonambulismo, Verdi cria um pano de fundo orquestral de clima inquietante e, contra ele, a soprano canta frases declamatórias entrecortadas que, às vezes, se abrem em grandes arcos de cantabile. Essas duas cenas são marcos no desenvolvimento da linguagem de Verdi tanto do ponto de vista do canto quanto da orquestração: nelas percebemos grande cuidado na escolha e combinação dos coloridos instrumentais.
Resultado da mistura de dois estágios de redação com dezoito anos de distância, Macbeth oferece, necessariamente, alguns desníveis entre páginas que pertencem a fases distintas de evolução. A primeira ária de lady Macbeth, no ato I, é o exemplo perfeito da scena do início do Romantismo, com trecho falado (a leitura da carta), recitativo, ária, tempo di mezzo e cabaletta. Em compensação, "La luce tangue" (no ato II) já tem a fluidez de escrita e a emoção concentrada típicas da maturidade. Na verdade, esse desnível torna fascinante a comparação entre o dramaturgo promissor de 184 7 e o mestre consumado que, em 1865, estava perto de escrever o Don Cario. Maturidade que produz a maravilhosa cena das aparições, de fraseado sutil, harmonia e instrumentação capazes de criar uma atmosfera plena de tensão; o belíssimo coro "Pátria oppressa"; ou a revisão na linha de canto da ária do tenor "Ah, la paterna mano". E à luz da experiência de palco adquirida nesses dezoito anos, Verdi repensa o final, ao substituir a ária de Macbeth, "Mal per me che m'affidai", de corte tradicional, pelo concertato com coro "Macbeth, Macbeth ov'e?", que tem a marca das grandes cenas de conjunto da maturidade.

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