Texto de Lauro Machado Coelho publicado na edição de dezembro de 2000 na Revista CONCERTO
A resposta de Benjamin Britten ao pedido do Festival de Coventry, em 1962, de uma peça para a consagração da Catedral de São Miguel, foi o Réquiem de Guerra, em que ele combina o texto latino da Missa dos Mortos com um ciclo de canções sobre poemas pacifistas de Wilfred Owen, que constituem uma perturbadora reflexão sobre o absurdo da guerra. O War Requiem leva à culminação preocupações humanitárias e experiências estéticas iniciadas com a Ballad of Heroes, de 1939, e a Sinfonia de Réquiem de 1940. Britten o destinava a seus amigos Peter Pears, Dietrich FischerDieskau e Galina Vishniévskaia – mas, como o governo soviético não permitiu a esta última ausentar-se da Rússia, foi Heather Harper quem a substituiu, na estreia, em março de 1962. Ao lado do Dream of Gerontius de Elgar ou do Belshazzar's Feast de William Walton, o Réquiem de Guerra é uma das maiores obras do repertório coral britânico neste século.
A música de Britten – e os poemas de Owen, considerados subversivos pelos nacionalistas – representam o extremo oposto ao patriotismo hidrófobo. É uma obra enérgica, animada pela indignação diante da crueldade e do sem sentido da guerra, e da compaixão pelos inocentes que são vítimas dela. Musicalmente, essa peça grandiosa – que toma como ponto de partida as sinfonias de Mahler que são também ciclos de canções – é extremamente complexa em sua construção de movimentos autocontidos, com sentido em si mesmo, mas que fazem parte de uma vasta estrutura integrada e orgânica. O Réquiem tem momentos chocantes, emocionantes, surpreendentes – como o episódio “quam olim Abrahae”, do Ofertório, em que Owen evoca o episódio de Abraão e Isaac fazendo com que, no fim, “o velho mate o seu filho e metade da semente da Europa, um a um ...”.
Essa visão de pesadelo e terror que converge, no final, para o canto dos irmãos inimigos, “I am the enemy you killed, my friend ... Let us sleep now”, e para o angustiado pedido de paz do “Libera me”. Com sua construção elaborada - a peça requer três solistas, coro adulto e coro infantil, uma orquestra grande e um conjunto de câmara, e órgão – o War Requiem marca um ponto de saturação e o encerramento de um ciclo na obra de Britten. Depois dele vem a fase de renovação espiritual e de ascetismo marcado pela influência do teatro japonês e da música oriental, que verá nascer obras como Curlew River e parábolas de igreja.
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