Carla Caramujo: "Lili Boulanger cria obra de maturidade extraordinária"

por Luciana Medeiros 11/08/2021

Soprano portuguesa retorna ao Rio para recital com ciclo de canções de Lili Boulanger e peça de Messiaen

A soprano portuguesa Carla Caramujo, que sobe ao palco da Sala Cecilia Meireles neste sábado na série Grandes Recitais, pensou inicialmente em trazer ao Rio de Janeiro um programa eclético de música francesa. Mas acabou mudando de ideia: decidiu apresentar um ciclo de canções de Lili Boulanger (1893-1918), inédito no Rio. As treze canções, compostas em 1914 sobre poemas da coletânea Tristesses do poeta Francis Jammes – que lamenta o fim de um amor -, ganharam o título Clairières dans le ciel.

Mais do que o ineditismo, a escolha de Carla passou pela redescoberta recente do ciclo à luz da realidade do mundo atacado pela pandemia. "A verdade é que essa extraordinária compositora cria uma obra à parte, a poesia e a música perfeitamente encadeadas parecem ter sido nascido juntas. Têm linhas que se completam", conta Carla, na semana de ensaios no Rio de Janeiro com a pianista Priscila Bomfim. "E é um programa que combina com a Sala Cecília Meireles, lugar de música excelente que tem sido mantido com seriedade e determinação mesmo em tempos como esse que vivemos."

O primeiro contato de Carla com a música de Lili Boulanger – filha de músicos e irmã da grande professora Nadia – aconteceu ainda na época de estudante na Guildhall School of Music and Drama, em Londres, quando preparou três canções para o concurso batizado com o nome das irmãs. "Fiquei absolutamente fascinada pela vocalidade do ciclo, pelas nuances", conta. "São canções pictóricas, sensíveis, delicadas e Lili, apesar da pouca idade, cria uma obra de maturidade extraordinária. Aliás, ela foi a primeira mulher a ganhar o Prix de Rome. Esteve muito próxima dos impressionistas, em especial de Fauré, que era seu mentor; e morreu no mesmo ano que Debussy. Mas eu diria que sua linguagem, aos 23 anos, se equipara à do compositor."

Uma palavra, em especial, aparece diversas vezes na conversa sobre a compositora: luminosidade. É outro pilar da escolha do ciclo para esse programa. "Lili Boulanger passou a curta vida muito doente, com uma tuberculose somada ao que mais tarde se descobriria ser Doença de Crohn", lembra Carla. "Mas não se rendeu à dor. Nomeou essas canções como Clareiras no céu e, aliás, o próprio poeta adotou o nome para os treze poemas." Essa percepção, de fato, é a que mais impulsionou a retomada dessa obra por Carla. "No momento que estamos vivendo, precisamos de clareiras e de luz. Dei-me conta disso ao apresentar esse ciclo, pela primeira vez, no Festival Terras Sem Sombra, no Alentejo, mês passado." 

É no mesmo diapasão que ela decidiu encerrar o concerto com a Résurrection de Olivier Messiaen. "Não pelo sentido estritamente religioso, mas pelo fantástico conjunto de harmônicos superiores que vão preenchendo o espaço, na ideia não apenas de abrir caminhos, mas de elevar-se. E como estamos precisando disso!". Mais uma coincidência amarrou a ideia do programa: Lili Boulanger faleceu no ano da devastadora gripe espanhola. "Quero pensar que vamos ressuscitar para um novo momento. Fomos todos muito fustigados nessa pandemia. Falo de cadeira, porque a vida dos artistas ficou extremamente difícil."

No que diz respeito à agenda, os tempos realmente estão clareando para Carla. "Até o final do ano, estarei no Teatro São Carlos de Lisboa com a ópera Iolanta, de Tchaikovsky, e um concerto com árias e excertos de Lucia di Lammermoor; apresento-me com programa barroco em Montevidéu e de Bel canto em Buenos Aires e prepararei duas gravações. Em 2022, começo o ano encarnando novamente a Princesa do Orphée de Philip Glass, na versão lisboeta da montagem brasileira que fiz aqui em 2019, com a direção de Felipe Hirsch; faço a Condessa Folleville de Viaggio a Reims, de Rossini, e ainda a estreia mundial da versão sinfônica de Domitila de João Guilherme Ripper no CCB de Lisboa, entre outros compromissos. Barroco, bel-canto e contemporâneo!"

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A soprano Carla Caramujo [Divulgação/Ana Castro]
A soprano Carla Caramujo [Divulgação/Ana Castro]

 

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