Stravinsky: oito obras fundamentais nos 50 anos de morte do autor

por Redação CONCERTO 06/04/2021

No dia 6 de abril, completam-se cinquenta anos da morte de Igor Stravinsky. A data deve ser relembrada em todo o mundo, inclusive no Brasil, como mostrou o jornalista Irineu Franco Perpetuo em reportagem de capa da edição de março da Revista CONCERTO. Enquanto a temporada de concertos não pode recomeçar por conta das restrições causadas pela pandemia, o Site CONCERTO separou uma seleção de obras fundamentais do compositor em interpretações marcantes.

Os balés: O pássaro de fogo, Petrusha, A sagração da primavera

A trajetória de Igor Stravinsky está intimamente ligada aos balés que, no início do século XX, lhe renderam os primeiros grandes sucessos: O pássaro de fogo (1910), Petrushka (1911) e A sagração da primavera (1913). Foram encomendados por Sergei Diaghilev, diretor dos Ballets Russes, companhia baseada em Paris.

“Stravinsky começou em grande estilo com O pássaro de fogo, foi além com Petrushka, e ainda mais longe com um dos mais assombrosos feitos de imaginação musical na história, A sagração da primavera”, escreve Jan Swafford em A linguagem do espírito

 

“Àquela altura, Paris era o centro de um fervor revolucionário nas artes, algumas das quais envolviam um sofisticado primitivismo. Picasso desenvolveu o cubismo, em parte, depois de seu encontro com máscaras africanas. Stravinsky usou a mesma maneira de pensar na Sagração. Desde o misterioso lamento do fagote com que começa, a peça é uma revolução na sonoridade e em sua própria concepção, mas uma revolução baseada no retorno ao primitivo”, completa o musicólogo.

 

Petrushka narra a história de amor e ciúmes entre três bonecos, Petrushka, Bailarina e o Mouro, que ganham vida pelas mãos de um mago. Em O pássaro de fogo, o príncipe Ivan adentra o reino mágico de Katschei, o Imortal. Aprisiona a ave mágica, mas a liberta em troca da promessa de que ela o ajudará no futuro: o que se torna necessário quando entra em conflito com as criaturas enviadas por Katschei. A Sagração da Primavera, por sua vez, foi definida por Stravinsky como “um trabalho musical coreografado, representando a Rússia pagã, unificada por uma ideia única: o mistério e a grandeza do surgimento do poder criativo da Primavera”.

 

“Há, nos balés de Stravinsky, enorme clareza nas estruturas musicais e um ritmo flexível – o ritmo de Stravinsky. Ele talvez tenha sido mesmo o maior inovador da história da música nesse sentido. Seus arranjos métricos, que soaram tão excêntricos nos anos 1920, tornaram-se parte da linguagem de diversos compositores. Por baixo das mudanças sem fim em qualquer partitura de Stravinsky está um ritmo básico e forte; e é a picante deste ritmo que ajuda a fazer da sua música algo tão fascinante”, escreve Harold C. Schonberg, que durante décadas foi crítico do jornal The New York Times

Concerto para piano e sopros

Dos anos 1920, o concerto é símbolo do período neoclássico do compositor – e, para alguns autores, o marco fundamental dessa mudança estética, marcada pela apropriação de formas do século XVIII e pela ênfase em instrumentos de sopros. 

“Em todas as obras do início da fase neoclássica de Stravinsky o uso da forma clássica é referencial mais do que orgânica e deve ser interpretada como simbólica”, escreve um dos biógrafos do compositor, Stephen Walsh. Já sobre o uso dos instrumentos de sopros, é o próprio Stravinsky quem fala: “Eles me pareciam mais aptos a gerar uma certa rigidez na forma que tinha em mente. E a diferença de volume desses instrumentos torna ainda mais evidente a arquitetura musical.”

 

Ainda sobre a fase neoclássica de Stravinsky, escreveu o compositor Bela Bartók: “A opinião de algumas pessoas de que o estilo neoclássico de Stravinsky é baseado em Bach, Händel e outros compositores de seu tempo é bastante superficial ... Ele se volta apenas para o material daquele período, para os padrões de Bach, Händel ... Stravinsky usa esse material à sua maneira, arrumando e transformando de acordo com seu espírito individual. Se ele tivesse tentado também transpor o espírito de Bach ou Handel em seu trabalho, a imitação e não a criação teria sido o resultado.”

Sinfonia dos salmos
A peça foi escrita nos anos 1930 por encomenda do maestro Sergei Koussevitsky para celebrar os 50 anos da Sinfônica de Boston, responsável pela estreia de obras marcantes do repertório do século XX. Foi escrita para conjunto orquestral e coro – e a relação entre música e palavra está no centro da obra, como o próprio compositor diria.

“Não se trata de uma sinfonia na qual eu incluí textos a serem cantados. Pelo contrário, é o canto dos Salmos que estou ‘sinfonizando’. O que imaginei foi um grupo coral e instrumental no qual os dois elementos devem estar em pé de igualdade, nenhum dos dois superando o outro. Eu fiquei muito preocupado com a questão do tempo. Para mim, a relação entre tempo e significado é uma questão primordial de ordem musical. Superficialmente, os textos sugeriam uma variedade de velocidades. Podemos dizer a mesma coisa de maneiras diferentes? Eu, de qualquer forma, não posso.”

Concerto para violino

Relembrando o trabalho no Concerto para violino, estreado em 1931, Stravinsky afirmou que a peça não foi inspirada em nenhum modelo ou exemplo. “Eu não gosto dos concertos para violino do repertório, Mozart, Beethoven, Brahms. Para mim, a única obra-prima neste campo é o concerto de Schoenberg, e ele foi escrito vários anos depois do meu”, disse em diálogo com o maestro Robert Craft.

 

Na verdade, o compositor hesitou ao receber o pedido do violinista Samue Dushkin para escrever um concerto. Afinal, não tocava o violino. Foi se consultar então com Paul Hindemith, que disse a ele que isso talvez o ajudasse a evitar efeitos rotineiros e a criar sonoridades novas, que nasceriam de uma movimentação não familiar dos dedos. Segundo Stravinsky, o que mais o interessou a escrever a peça foi a textura. “Ela é muito mais característica da música de câmera. O modo como o violino poderia se combinar com os outros instrumentos foi o que mais me interessou.”

A carreira de um libertino

No livro dedicado à obra do pai, Theodore Strainsky escreve que “o teatro jamais deixou de atrair Stravinsky”. “Ele possuía o sentido do teatro dentro de si. Se a preocupação constante que sente pela música em si mesma assegura a cada uma de suas partituras teatrais um valor musical independente da representação cênica, não há nenhuma, no entanto, que não ateste preocupações teatrais claramente definidas.”

Theodore, em sua análise, afirma que uma preocupação teatral persiste também em obras não imaginadas para serem encenadas. Mas, de qualquer forma, além de seus balés, o compositor fez importantes incursões pelo mundo da ópera, como com The Rake’s Progress, ou, em português, A carreira de um libertino, com libreto de W.H. Auden.

 

A ópera estreou no Teatro Alla Scala de Milão, em 1951, mas foi escrita nos EUA, para onde o compositor mudou-se durante a Segunda Guerra Mundial. A inspiração veio do contato com uma série de gravuras do poeta inglês William Hoghart, que retratam a vida de um personagem do século XVIII de forma realista e satírica. Na ópera, ele é Tom Rockwell, a quem vemos sendo conduzido em direção à loucura, movido pela ganância e pelo contato com o diabólico Nick Shadow.

A partitura pertence ao período neoclássico do autor, e evoca o ambiente das óperas de Mozart, com pitadas de Rossini, Verdi e Händel, como anotam os autores de Uma História da Ópera, Carolyn Abbate e Roger Parker. Wagner também faz parte da mistura. O que resulta em um todo que diversos autores já definiram como “cubista”.

Movements

A peça estreou em 1960, em um novo período da estética do compositor, marcada pelo serialismo. Nas palavras de Paul Griffiths, o serialismo é um “método de composição em que uma permutação fixa, ou série, de elementos é referencial (ou seja, o manuseio desses elementos na composição é governado pela série)”. Movements marca, assim, um retorno ao início do século XX, ou ao menos um diálogo com a produção de autores como Arnold Schoenberg e Anton Webern, como afirma o maestro Robert Craft.

 

Escrita para piano e orquestra, ela não é um concerto propriamente dito, como afirma o pesquisador Orrin Howard. Em Movements, Stravinsky desmembra a orquestra em pequenos grupos de câmara, que vão se alterando ao longo da peça – e é com esses conjuntos que o piano solista dialoga. O compositor, nas palavras de Brian Johnston, evita utilizar toda a orquestra de uma vez só, permitindo ao piano funcionar como uma espécie de mediador entre as diferentes formações camerísticas. 

Requiem canticles

Escrito em 1966, Requiem Canticles foi a peça escolhida para o funeral do compositor, em 1971. Ela é inspirada na missa dos mortos da liturgia católica, mas o motivo talvez tenha sido outro: a obra é, de certa forma, uma síntese da carreira de Stravinsky.

“Última obra-prima do compositor, Requiem Canticles parece resumir a evolução de toda uma vida, combinando elementos de diferentes períodos que marcaram sua carreira e, ao mesmo tempo, representando um ponto alto da busca espiritual que se tornou cada vez mais importante em sua vida”, diz o maestro Philippe Herreweghe.

 

Para Alex Ross, “Requiem canticles é a contraparte do último período da Sinfonia dos Salmos. Nasceu da mais crítica experiência dos últimos anos da vida de Stravinsky – seu retorno à Rússia natal, em 1962, depois de uma ausência de cinco décadas”, escreve, no livro O resto é ruído. Para ele, a obra termina em um lamento. “No final, soam acordes de sinos à distância. No único gesto romântico de sua carreira, o compositor havia criado um réquiem para si mesmo.”

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