Sob direção do regente titular Manfredo Schmiedt, concerto teve a participação do quarteto de percussão Martelo
PORTO ALEGRE – A Ospa é uma das orquestras mais antigas do país, com o diferencial de nunca ter interrompido as suas atividades. O grupo foi fundado em 1950 pelo violinista e maestro húngaro Pablo Komlós, imigrado para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Ele reuniu músicos que já tinham uma atividade na cidade, programou ensaios, conduziu os concertos inaugurais e estabeleceu uma programação regular, consolidando a presença da orquestra.
Pablo Komlós permaneceu em sua direção durante 28 anos e continua sendo uma referência – existe uma fundação de apoio à orquestra que leva o seu nome e, logo na entrada da Casa da Ospa, há um pequeno busto em sua memória. Sucederam Komlós regentes como David Machado, Eleazar de Carvalho, Isaac Karabtchevsky e Evandro Matté. Há um ano a orquestra tem direção artística e regência titular do maestro Manfredo Schmiedt.
E foi muito boa a apresentação comemorativa dos 75 anos da Ospa, realizada no último fim de semana, em sua sede, a Casa da Ospa (eu assisti ao concerto no domingo, dia 23 de novembro). O programa foi todo brasileiro, com referências à história e à cultura também do Rio Grande do Sul e reforçando também a identidade artística do grupo. Ao já grande efetivo da orquestra, juntou-se, na segunda parte, o Coro Sinfônico da Ospa, todos sob direção segura e competente do regente titular Manfredo Schmiedt.
A apresentação começou com Raízes, de Clarice Assad. A obra foi encomendada por três orquestras brasileiras – Filarmônica de Minas Gerais, Filarmônica de Goiás e OSB –, e é dedicada ao grupo Martelo, um quarteto de percussão. Em meio a atmosferas e efeitos sonoros criados pelos mais variados instrumentos de percussão – tanto do universo clássico como da percussão popular –, emergem conhecidos temas do folclore brasileiro, que são então desenvolvidos e transformados por meio de uma moderna linguagem orquestral. A peça também inclui uma participação ativa da plateia, que é incentivada a friccionar as mãos, bater palmas com os dedos e até cantar. Mais para o fim, uma grande cadência dá ao Martelo espaço para demonstrar toda a sua riqueza sonora e inventividade. Muitas palmas do público trouxeram o grupo de volta para o palco e para um inspirado bis composto por um de seus integrantes, Leonardo Gorosito – uma peça “cênico-musical” em que os quatro percussionistas fazem sutis contrapontos rítmicos com pequenos chocalhos. Sucesso total!
A segunda parte iniciou-se com A Salamanca do Jarau, de Luiz Cosme (1908-1965), um bailado composto em 1935 e inspirado em uma lenda do Rio Grande do Sul registrada por João Simões Lopes Neto. A obra narra a aventura fantástica do velho Blau Nunes, “que entra na furna encantada do Cerro do Jarau para libertar uma princesa mágica”. Embora a nota de programa indicasse o uso de temas do folclore gaúcho, eles não me pareceram evidentes. Ao contrário. É uma obra descritiva, programática, com rica escrita musical e certa modernidade. Há passagens que lembram música de cinema, outras Debussy ou Stravinsky. Em parceria com a Academia Brasileira de Música, a Ospa editou a partitura e realizou a gravação da obra, que em breve poderá ser ouvida nas plataformas digitais.
O concerto se encerrou com o Maracatu do Chico Rei, uma das mais famosas composições de Francisco Mignone (1897-1986). Com cerca de 140 artistas sobre o palco, o grande volume sonoro soou bem e equilibrado na Casa da Ospa. Também aqui o maestro Manfredo Schmiedt, que tem uma gestual claro e orgânico e transmite sensibilidade musical, extraiu belos momentos musicais, construindo uma interpretação muito consistente. Destaque para a boa presença do Coro Sinfônico da Ospa e também para as bonitas intervenções solísticas dos instrumentos da orquestra.
Além da orquestra composta por músicos estatutários, a Fundação Ospa mantém também a sua tradicional Escola de Música e uma orquestra jovem, além do Coro Sinfônico formado por cerca de oitenta cantores voluntários.
Já a Casa da Ospa, inaugurada em 2018, é fruto de uma inteligente articulação da orquestra, então dirigida por Evandro Matté, com o poder público, que cedeu um antigo auditório situado no Centro Administrativo Fernando Ferrari – sede do executivo do governo estadual – para que fosse transformado em uma sala de concertos de 1.100 lugares. Desde então, a Casa da Ospa ainda ganhou um espaço para música de câmara, salas de ensaio e camarins, um memorial dedicado à história da orquestra e um bom espaço para o seu setor administrativo. Foi uma solução oportuna e realista, após sucessivas promessas governamentais para a construção de uma sala de concertos para a orquestra. E tudo resultou em uma sede muito satisfatória e adequada – poucas orquestras no país contam com essa infraestrutura!
É notável o investimento público que Rio Grande do Sul tem feito nos últimos anos para o reforço da atividade clássica no estado, particularmente para a Ospa. Apesar dos avanços, há sempre novas demandas e reivindicações legítimas, como a dos músicos, que recentemente enviaram uma carta aberta ao governador pedindo que a Fundação Ospa seja incluída nos planos de reestruturação de cargos e carreiras que estão sendo implementados em outras fundações e autarquias do estado. Os músicos afirmam que, em razão da Ospa ter o pior nível salarial dentre as dez maiores orquestras do país, ela sofre com a perda de excelentes instrumentistas.
Ao longo de sua história, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre desempenhou um papel fundamental na preservação e divulgação do patrimônio musical brasileiro e universal e na formação cultural e humanista da sociedade gaúcha. Que continue a cumprir sua missão e a inspirar plateias.
Vida longa à Orquestra Sinfônica de Porto Alegre!
[Nelson Rubens Kunze viajou a Porto Alegre e assistiu ao concerto comemorativo dos 75 anos da orquestra a convite da Fundação Ospa.]
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