#ÓperaHoje: Diversidade, igualdade, equidade e inovação

por Redação CONCERTO 19/10/2020

Na tarde de sexta-feira, a programação do webinar #ÓperaHoje apresentou uma palestras de Nana Lima, diretora de impacto, e Camila Camargo, líder de estratégia do Think Olga, organização da sociedade civil dedicada a pensar a inovação social e a criar impacto positivo na vida das mulheres e da sociedade por meio da comunicação.

Nana Lima iniciou a palestra falando sobre os termos diversidade e inclusão e como eles podem ser pensados à luz do trabalho coletivo. 

“O que é diversidade? Nos últimos anos, a palavra ganhou muita relevância, não dá mais para ignorá-la. Diversidade é a garantia de que os locais públicos e espaços de trabalho sejam representativos dos diferentes tipos de pessoas que vivem em sociedade e a garantia de respeito e valorização daquilo que as tornam diferentes: idade, gênero, etnia, orientação sexual, origem, educação.”

Em seguida, ela mostrou como a ideia de diversidade está ligada a referenciais estabelecidos. “O fator diverso de um indivíduo pode variar de acordo com a norma estabelecida em determinado contexto. Quem é a norma da sociedade? É o homem branco o modelo de como se deve agir. Qualquer pessoa diferente dele é o outro. Ainda que 54% da população brasileira se coloque como negra ou parda, ainda que 51,5% dos empreendedores no Brasil sejam mulheres, no imaginário a realidade é outra. As minorias são maiorias, mas os grupos minorizados sofrem a consequência de processos sociais e históricos que levam a privilégios. Eles têm menos poder social.”

Para entender essa realidade, é fundamental compreender o privilégio. Nana sugeriu um exercício, para que as pessoas pudessem entender essa dinâmica. Fez algumas afirmações e pediu a elas que as encaixassem em suas histórias: 1) você tem receio de demonstrar afeto em público por medo de violência? 2) você já recebeu diagnóstico de deficiência mental? 3) você já foi perseguido por seguranças? 4) você já teve que trabalhar para pagar seus estudos? 5) você já precisou escolher entre ter uma carreira ou filhos? 6) você já recebeu apelido baseado em sua raça? 7) você já temeu pela sua integridade física ao ser barrado pela polícia? 8) você já teve sua capacidade intelectual menosprezada por conta de seu aspecto físico? 9) você é o único de sua família a ter ido a uma universidade? 10) você é o único de sua raça em seu local de trabalho? 11) você já teve dificuldade para encontrar roupas de seu tamanho? 12) sua orientação sexual já foi usada como xingamento?

“Se a gente nem tem que pensar sobre essas questões, isso é privilégio. Não quer dizer que não houve mérito, que não foi uma jornada difícil, que suas conquistas não merecem ser valorizadas. Apenas que você teve menos barreiras à sua frente. Você não fez boas escolhas, você teve boas escolhas. É muito fácil justificar o mérito quando tivemos boas escolhas para fazer e achar que os outros não quiseram fazer. Não é para ver esse cenário com vergonha e culpa, mas com responsabilidade.”

Em seguida, ela colocou outro conceito “complementar à diversidade e à inclusão”: a equidade. “Falamos mais de igualdade do que de equidade. Qual a diferença? Embora ambos promovam a justiça, a igualdade trata todos da mesma forma e a equidade reconhece diferentes necessidades. A diferença está em olhar o sistema e entender quem vai ter acesso a ele e de onde uma pessoa partiu para ter este acesso.”

Debate do webinar #ÓperaHoje - Think Olga

Ela também questionou o mito da meritocracia, “o poder do mérito, a ideia de que o sucesso é definido pelo esforço pessoal apenas”. “Ela é um mito que só faz sentido em uma sociedade que promove oportunidades iguais.”

Perante esse quadro, Nana Lima coloca cinco pontos.

O primeiro passo é “trazer para a consciência os vieses inconscientes”. “Os vieses são estereótipos sociais que se formam fora da nossa consciência. A cada momento nosso cérebro é impactado por 11 milhões de bytes de informação, as cores, as formas, a distância, profundidade, tudo isso é informação. Mas o cérebro só consegue processar 40 bytes. Então, ele cria categorias para pessoas, objetos, tarefas. A gente precisa delas para sobreviver. Em vez de evitar o viés, precisamos identificá-lo e oferecer reação imediata para mudá-lo e corrigi-lo. Se estou julgando alguém por qualquer questão, preciso trazer isso para a consciência, treinar o cérebro. Só por meio desse processo a gente tem uma escolha sobre isso, parando de perpetuar essa realidade.” 

Outra questão diz respeito ao termo intersseccionalidade cunhado por Kimberlé Crenshaw, em 1989, que nos convida a enxergar a multiplicidade dos indivíduos e as conexões que existem nesse sentido. “Ela se refere a diferentes camadas que cruzam esse indivíduo e que acabam definindo o poder individual e político dessas pessoas. Precisamos ter consciência de quantas camadas se cruzam nesse indivíduo para ele estar dentro da instituição ou então acabamos fazendo políticas e medidas que não olham para o todo. Falar em feminismo sem olhar para a questão do racismo não faz sentido. Quero incluir mulheres? Mas que mulheres? O termo ‘mulher’ não é um bloco único e outras questões identitárias a serem consideradas.”

O terceiro ponto diz respeito a como ser um aliado de verdade. “Se você não tem que abrir mão de nada, você não é um aliado. Ser um aliado requer ação, fazer algo, usar nosso privilégio para mudar essa estrutura. Diversidade não acontece de forma orgânica. Não podemos achar que porque eu abri uma vaga eu resolvi o problema, ou então achar que o que precisa ser consertado são os outros e não o sistema. Precisamos sair do discurso e começar a olhar, na nossa arte e no nosso trabalho, como mudar, senão estou apenas surfando na onda, preocupado com a estética e não com a ética.”

“O quarto ponto é olhar para a diversidade e a equidade em todo o potencial criativo e inovador que elas significam. São muitas camadas que podem trazer um potencial enorme. Podemos olhar para essa questão como uma oportunidade.”

O quinto ponto foi colocado por Camila Camargo: “A gente precisa enxergar potência onde só enxergamos diferença. A gente tem um sujeito que seria o sujeito absoluto, ou a norma. Tudo no mundo é feito a partir dessa perspectiva do homem branco. Simone de Beauvoir fala do homem como sujeito e da mulher como o outro. Grada Kilomba, por sua vez, diz: se a gente considera a mulher negra, ela é o outro do outro. A Lei Maria da Penha foi feita para proteger todas as mulheres, mas vemos que o feminicídio só diminuiu entre as mulheres brancas, enquanto aumentou entre as negras.”

“A gente se pergunta: quais os modelos analíticos que usamos para avaliar sonoridades? Será que o modelo analítico da música clássica vai dar conta das especificidades da obra de um mestre da música popular como Mestre Salustiano?” Ela citou o recente texto de Lilia Schwartz sobre um clipe da cantora Beyoncé. “Ela afirmou que o clipe errava ao glorificar a negritude por meio de estampas de oncinha. A questão é que o filme foi feito a partir de uma perspectiva que não era a dela. A branquitude não aceita outras perspectivas de mundo. E não aceitar que a compreensão de mundo do outro possa ser diferente da minha é uma forma de tornar esse outro invisível”, afirmou, citando a autora Katiuscia Ribeiro. “As medidas adotadas no Brasil foram alicerçadas a partir do modelo de civilidade europeia, com a visão de cunho racista que determinou as relações sociais, políticas, educacionais e econômicas, com a ideia de progresso baseado nos valores eurocêntricos e etnocêntricos, responsáveis pela invisibilidade dos sabres africanos na história oficial do pais.”

Não devemos falar apenas de morte física, mostra Camila, mas também de outras formas de morte, como o nutricídio, a ausência de alimentos, ou o Epistemicídio, ou seja, “o assassinato do conhecimento de alguém, a desvalorização do conhecimento popular, negar que ele possa ser sofisticado a partir de uma perspectiva que não é a minha”. “Diversificar e trazer a diversidade para perto é ampliar os nossos próprios pontos de vista. Eu amplio meu repertorio através da diversidade”. E isso, afirma, leva à inovação. 

Veja abaixo o vídeo completo da palestra.

#ÓperaHoje dia 16/10/2020 – Palestra 2 – Think Olga / Think Eva - Diversidade racial e de gênero
Com Nana Lima e Camila Camargo

 

Confira a cobertura especial da Temporada de Óperas on-line da Fundação Clóvis Salgado.

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