#ÓperaHoje: Formação de artistas sofre com a falta de mercado profissional

por Redação CONCERTO 17/10/2020

Como anda a formação dos profissionais de ópera no Brasil?

A pergunta foi tema de uma das mesas do webinário #ÓperaHoje,realizada no início da tarde de sexta-feira, dia 16, com mediação de Nelson Rubens Kunze. 

Participaram o maestro Abel Rocha, idealizador da Fábrica de Óperas da Unesp; Dhijana Nobre, do Coral Infantil do Liceu de Artes e Ofícios Claudio Santoro, de Manaus; Gabriel Rhein-Schirato, um dos idealizadores do Opera Studio do Theatro Municipal de São Paulo; e Lincoln Andrade, da Escola de Música da UFMG.

Abel Rocha falou da experiência da Fábrica de Óperas da Unesp, projeto criado em 2013. Contou que sentia falta de uma formação regular dos alunos de canto em relação ao palco. Lembrou da experiência dos estúdios de ópera na Alemanha, que recebem cantores para que eles possam entrar no mercado. “Havia demanda dos alunos da Unesp para estar no palco. Começamos com foco na classe de canto e depois envolvi os alunos de regência e, com o passar do tempo, abri a possibilidade para os cursos de artes cênicas e de artes plásticas para que trabalhássemos em projetos comuns.”

“O mais importante foi retomar a ideia da ópera de repertorio e da ópera em português”, diz o maestro. “Não fazemos um só espetáculo, fazemos três pequenas óperas de quarenta minutos por semestre. Os alunos são solistas em uma delas, cantam no coro em outras. É quase uma trupe de teatro, de circo, em que todos se envolvem em diferentes momentos, participando da confecção de cenários, figurinos. Os alunos têm que aprender três papeis diferentes para revezar, ser protagonista hoje, coadjuvante amanhã. Esse conceito de ópera de repertório dá aos alunos maleabilidade muito grande, eles têm que aprender, têm que estar no palco. Outro aspecto marcante é a interpretação em português. Eu sinto falta da compreensão da importância da interpretação na ópera, muito focada na técnica vocal e sem olhar para a expressividade. E isso fica mais fácil quando você entende melhor o texto que está cantando.”

Dhijana Nobre falou do trabalho do Coral Infantil do Liceu de Artes e Ofícios Claudio Santoro. Criado em 1999, ele ensina não apenas canto, mas expressão corporal e coloca as crianças em contato com outras áreas, como musicalização, teatro e dança. “Para nós é muito claro que as crianças ganham muito quando estimuladas de forma multidisciplinar.” Trabalhar com os jovens é também trabalhar com as suas famílias, e isso leva, para ela, a uma outra importância: a de formação de público. “O contato com a arte gera expectativa nas famílias e alunos, que entendem a importância dessa cadeia e a forma como ela recebe incentivo tanto do poder público como da iniciativa privada.”

Gabriel Rhein-Schirato falou da experiência do Ópera Studio do Theatro Municipal de São Paulo, que ele ajudou a fundar. O trabalho de aperfeiçoamento dos cantores, ele diz, é fundamental e desafiador em dois sentidos. “Primeiro, para manter os cantores em movimento, dando oportunidade de cantar, com recitais, cenas de ópera, um pequeno título – o cantor, depois de tanta técnica, ele precisa começar a se testar no palco, se mexendo, fazendo teatro; o segundo desafio sempre foi conseguir oportunidades para esses cantores na temporada do próprio Municipal”, explicou. “No Brasil, o formato ainda não é consolidado como na Europa, ainda tentamos entender a melhor maneira de adaptá-lo à nossa realidade. Como se relacionar com a temporada do teatro, como interagir com a estrutura do teatro? É sempre uma angústia imaginar como ajudar esse cantor a entrar no mercado.”

Lincoln Andrade falou da experiência da Escola de Música da UFMG. “Até 2017, o trabalho era todo vinculado à área de regência, partia dos alunos interessados em reger uma ópera os espetáculos. De lá para cá, passamos a buscar mais equilíbrio, com convênios, procura de patrocínios, para sensibilizar a própria universidade sobre um meio de produção para que pudéssemos fazer esses espetáculos de outra forma. A disciplina Ópera Studio é optativa, mas a partir de 2017 ela tem tido maior frequência. Abrimos na orquestra uma agenda para comportar a demanda do Ópera Studio, ao longo do ano de 2018 fizemos vários concertos com árias e trechos de óperas. E começamos a ampliar o repertório, do barroco para o início da carreira de Mozart. Em 2019, nos envolvemos ainda mais com a área de canto. E montamos então um projeto de extensão de Ópera Studio, com outros tentáculos, convênios, como com a Fundação Clóvis Salgado. Estava prevista uma montagem da Flauta Mágica para 2020, mas acabamos tendo que deixar para o ano que vem por conta da pandemia.”

Debate do webinar #ÓperaHoje - mesa formação

Com a palavra de volta, Nelson Rubens Kunze perguntou se a ópera mereceria espaço maior na grade de formação, com maior importância. Isso foi colocado em outras mesas do webinário, como a que reuniu compositores para discutir a falta de oportunidade para a criação de novas obras.

Para Lincoln Andrade, “é preciso incentivar compositores dentro da academia a compor mais óperas em português”. Já Abel Rocha estabeleceu relação entre universidade e mercado. “Criei a Fábrica de Ópera depois de sair do Theatro Municipal, onde fiz onze óperas em um ano. Mas temporadas assim são raras. E, quando se perde a demanda, fica difícil para a universidade entender que tem que formar profissionais para essa área. Nossa programação oficial diminuiu. É preciso estabelecer oportunidades para pensar em futuro profissional. Uma programação regular e corriqueira garantiria uma movimentação no mercado de maneira mais tranquila e natural. E isso não temos.”

Rhein-Schirato diz conversar com os alunos sobre o tema. “É natural que eles sonhem com a carreira de solista, mas cada vez mais tenho chamado atenção para as outras possibilidades que jovens cantores têm de viver da sua música, tendo claro que não serão necessariamente os próximos solistas do Scala de Milão. É importante mirar esses objetivos, estudar para isso, mas também conversar sobre que outras possibilidades existem. Ser cantor de coro, fazer música de câmara, dar aula de canto, ser professor, especializar-se no repertório vocal contemporâneo, trabalhar com eventos.”

Kunze chamou atenção a esse ecossistema que compõe o universo da ópera. E perguntou a Dhijana Nobre sobre a formação em Manaus e a ideia de um corredor de formação da infância à profissionalização. “Temos lacunas, como no país de maneira geral, mas o festival é um caso interessante. As crianças vêm de realidades diferentes e se encantam, pedem para participar. No Liceu, ela pode ir passando de coros à medida em que cresce, voltando-se ao canto lírico. E instruímos a criança sempre sobre as múltiplas possibilidades de trabalho dentro do universo musical. Lá nós mostramos para as crianças o que é a arte e apontamos possibilidades.”

"A ópera é vista como elitista, mas, ouvindo vocês, vejo o quadro oposto", colocou Nelson Kunze. "Como mostrar isso? Como mostrar que a ópera não é só evento, contribuiu para educação, para a formação do cidadão?"

“Se você vai para Berlim, há um grande teatro de ópera, que é feito para estrangeiro, as pessoas vão turisticamente para ver ópera lá. E há outros teatros, tem até teatro só para musical, como em Nova York ou mesmo em São Paulo. Nas pequenas cidades, o mesmo elenco faz Fantasma de Ópera e Traviata. Você pode criar outros conceitos de colocar a música vocal que conta uma história no palco. Criar plateias na sua sociedade. Tem muitas soluções que podemos pensar, de acordo com sua realidade. Se você consegue criar isso, as crianças se envolvem. Muitos alunos meus foram trabalhar no Projeto Guri, em Fábricas de Cultura, e criam espetáculos com seus alunos, fazendo da ópera uma linguagem comum e corriqueira", afirmou Abel Rocha.

Assista abaixo ao vídeo completo da mesa:

#ÓperaHoje – Mesa 6 – Academias de ópera e formação
Mediação: Nelson Rubens Kunze. Convidados: Abel Rocha (SP), Dhijana Nobre (AM), Gabriel Rhein-Schirato (SP) e Lincoln Andrade (MG)

 

Confira a cobertura especial da Temporada de Óperas on-line da Fundação Clóvis Salgado.

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