Rádio MEC: aos 100 anos, correndo para o futuro

por Luciana Medeiros 20/04/2023

Primeira rádio do Brasil quer retomar seu papel na educação e na cultura

Um valioso patrimônio nacional completa hoje, dia 20 de abril, 100 anos de existência. A Rádio MEC, doação de Edgard Roquette-Pinto ao governo brasileiro, ocupa um papel muito mais central na vida dos brasileiros do que a maioria de nós imagina – e do qual a geração que já foi amamentada no digital provavelmente não faz nenhuma ideia. Em uma sociedade que pareceu estar obcecada pelo visual, o áudio radiofônico perdeu seu protagonismo. Mas o que dizer da explosão dos podcasts? É hora de repensar a força do áudio.

Imaginemos o Brasil de 1923. Rio de Janeiro, capital da República. Roquette-Pinto, médico, professor, escritor, antropólogo, etnólogo e ensaísta, decide fazer avançar o país com a instalação da primeira emissora radiofônica do país – a Rádio Sociedade. O olhar de Roquette era de educador: ele via a rádio como instrumento de elevação cultural do público. Enquanto ideias distorcidas da superioridade da “raça branca” venenosamente cresciam – deu no que deu, bem sabemos – Roquette-Pinto, como etnólogo, difundia a beleza da miscigenação, no caminho radicalmente oposto. Foi um gigante e merece muito mais reconhecimento do que teve até hoje.

Mas aqui falaremos de sua iniciativa, a Rádio que, em 1936, tornou-se a MEC – do Ministério de Educação e Cultura já em tempos varguistas, sob o comando de Gustavo Capanema. A história da MEC é de uma riqueza igualmente pouco conhecida e valorizada. De fato, parece que sua importância era ameaçadora em alguns momentos da história. Dividida em duas em 1983 – AM e FM –, sofreu com idas e vindas da vontade política e um pouco saudável desejo de transformar a comunicação pública em governamental – justamente o oposto do que o humanista fundador queira para a emissora.

De 2007 em diante, várias mudanças institucionais sacudiram a estrutura da rádio, incorporada à EBC – Emissora Brasil de Comunicação. Em 2012, a FM foi ameaçada de extinção, revertida por iniciativas do público. A partir de 2016 e, com mais ênfase, nos anos Bolsonaro, teve sua existência várias vezes ameaçada.

Nesse centenário, portanto, a história consolidada da MEC como emissora educativa e cultural – com programas infantis, com o importante Projeto Minerva, a transmissão de ópera e música clássica, jazz e MPB – não está em dúvida. É um inquestionável patrimônio, vale repetir. Os planos para o futuro, porém, estão na ordem do dia.

“Estamos no momento de refundação da rádio como um todo, ouvindo o que a sociedade quer, mirando uma emissora que atenda o Brasil”, diz Thiago Regotto, gerente executivo das rádios MEC e Nacional (que é parte da EBC). “Passamos por um momento em que as emissoras comerciais não se interessavam pela qualidade e o poder público não nos dava suporte. Hoje, o brasileiro não tem noção do que é uma rádio não comercial. Passamos muito tempo em estado de defesa – agora é tempo de sonhar, criar e avançar.”

E o que seria uma rádio não comercial? “O rádio começou com dramaturgia em 1941!”, continua Regotto. “É música clássica, é poesia, literatura, são debates. Agora estamos ganhando lastro para a virada que inclui a tecnologia das redes, os aplicativos e tudo o mais que está ao alcance, sem ser sisuda, careta, sem perder o charme e a linguagem do rádio.”

Antonia Pellegrino, diretora de conteúdo e programação das Rádios MEC e Nacional e da TV Brasil, aponta as iniciativas desse centenário: “É uma grande oportunidade de chamar a atenção para a Rádio, sair da bolha sem perder a relevância para o nicho que já existe. A programação de alto nível vai seguir”. 

Na prática, Antonia menciona duas ações de ampliação do alcance da MEC – inclusive literalmente. "Estamos trabalhando para que o sinal chegue a muito mais cidades do Brasil. E também avançando na digitalização do acervo, para pesquisadores e o grande público. O centenário é uma tremenda oportunidade de chamar a atenção para a força e importância da Rádio MEC.”

Que o patrimônio centenário abrace um futuro de envergadura muito mais ampla, com a música clássica entre as joias democratizadas pelas ondas do rádio. Parabéns e vida longa, Rádio MEC.

Logotipo do centenário da Rádio MEC
Logotipo do centenário da Rádio MEC [Reprodução]

 

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