A ópera expandida

por Redação CONCERTO 30/12/2021

Por Roberto Borges*

Quais são os limites da ópera? Que fronteiras devem ser levadas em conta no momento de se criar uma obra original ou de se montar uma peça já existente? Desde Monteverdi, essas perguntas são praticamente inerentes ao gênero operístico, que foi obrigado a se adaptar às mudanças estéticas e sociais ao longo dos séculos. No entanto, com o advento da revolução digital, quando a arte ganhou múltiplas plataformas para dar vazão à sua expressão, esse questionamento se faz ainda mais relevante.

Tendo como base essa reflexão, no último dia 20 de novembro foi promovido o debate virtual Teatro e Música fora da caixa. Ao longo de uma hora e meia, o musicólogo e filósofo português João Pedro Cachopo conduziu uma conversa com o diretor teatral brasileiro Antônio Araújo e com o compositor também português Luís Soldado sobre criação e apresentação de espetáculos músico-teatrais em lugares não-convencionais, óperas comunitárias e democratização do acesso à arte. A atividade integrou a Temporada 2021 de Ópera Online do Palácio das Artes em Belo Horizonte e teve supervisão artística da encenadora Lívia Sabag.

O título da conversa pediu emprestado do mundo corporativo a expressão “Fora da Caixa”. No contexto empresarial essa locução adverbial quer dizer enxergar para além do óbvio, perceber o que não está tão evidente. No contexto do Teatro e da Ópera “Fora da Caixa” faz alusão direta à caixa cênica do palco italiano, onde a maioria das montagens de ópera acontecem. Tanto Araújo quanto Soldado possuem em suas trajetórias artísticas trabalhos que romperam com a estrutura tradicional da ópera e por isso se inserem nesse contexto inovador.

Foi justamente traçando um panorama da trajetória disruptiva de cada um dos convidados que o mediador João Pedro Cachopo abriu os trabalhos. Em seguida, para iniciar o debate, perguntou aos dois quais seriam as motivações de cada um para serem artistas fora-da-caixa na ópera, gênero percebido por muitos como tradicionalista e pouco aberto às inovações.

 

O encenador Antônio Araújo tomou a palavra falando brevemente sobre o Teatro da Vertigem, e sobre a dura resistência que o grupo encontrou ao longo de suas montagens em espaços alternativos pela cidade de São Paulo. Segundo Araújo, essa incompreensão, embora muitas vezes traumática, se mostrou também bastante motivadora, pois ela expande para o público em geral a discussão sobre o papel da arte e suas fronteiras na sociedade. Trabalhar de forma não-convencional em espaços alternativos também amplia a percepção do público e permite com que se chame a atenção para a cidade.  

Para o compositor Luís Soldado, sua principal motivação ao atravessar as fronteiras do convencional é a divulgação da ópera em Portugal, onde há apenas um teatro oficial dedicado ao gênero, que não dá muito espaço para obras inéditas. Soldado cita também outras motivações, solucionar problemas como: a interação dos cantores dentro de um espaço não convencional como, por exemplo, um ônibus. 

A conversa seguiu tendo como assunto a democratização da ópera e a formação de novos públicos. João Pedro Cachopo questionou sobre a estratégia na busca por novas plateias. Para Antônio Araújo é importante ir ao encontro do público e provocá-lo, fazer as adaptações necessárias de forma que a plateia consiga se ver espelhada na obra. Luís Soldado comenta que para as criações contemporâneas é preciso que compositor e libretista consigam ser sensíveis às questões da sociedade, delimitar bem o tema para poder conseguir igualmente arrebatar as pessoas.

Na terceira parte da conversa o assunto se direcionou para as questões práticas nas montagens não convencionais de ópera. Para Araújo, o equilíbrio entre espaço, cena e música é fundamental na encenação. O espaço alternativo, o deslocamento do público e demais elementos inusitados não devem nunca massacrar a história. Para o encenador é preciso que os artistas e as equipes técnicas estejam mais abertos em encenações fora-da-caixa porque necessariamente saem de suas zonas de conforto. Outra questão prática levantada, diz respeito ao tempo de ensaio. Montagens inovadoras exigem mais dias de experimentação e ensaio até que todos se sintam prontos. A demanda por mais dias de ensaio foi validada também por Luís Soldado. Segundo o compositor português, composições inéditas carecem de um número maior de adaptações e isso leva tempo.

De maneira geral, o debate seguiu de maneira bastante fluida e cumpriu seu principal objetivo: instigar a reflexão sobre o futuro da ópera por meio da experiência de artistas disruptivos tão importantes. Em tempos de transformação acelerada em que estamos inseridos, se faz necessário aprender com a experiência de quem conseguiu estar além da caixa muito antes desse conceito e dessa expressão surgirem. Ouvir, observar, para então experimentar. Olhar além das fronteiras estabelecidas e aprender com quem fez isso antes, esse é o verdadeiro caminho da expansão da ópera.

* Texto produzido no módulo de jornalismo e crítica musical do Ateliê de Criação: Dramaturgia e Processos Criativos, promovido pela Fundação Clóvis Salgado, sob orientação de João Luiz Sampaio

João Pedro Cachopo, Luís Soldado e Antonio Araújo durante debate [Reprodução]
João Pedro Cachopo, Luís Soldado e Antonio Araújo durante debate [Reprodução]

 

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