Por Guilhermina Lopes*
“Acima de tudo, são pessoas desejosas de amor, uns disfarçam mais, outros menos essa necessidade.” Fora de contexto, a frase poderia ser atribuída a um psicólogo ou religioso, mas foi, na verdade, a resposta de um encenador sobre como lidava com cantores de ópera.
Abordagem cênica de solistas (e coro!) na Paixão Segundo São Mateus, de Bach, com a Filarmônica de Berlim. Libreto baseado em documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos para a ópera Doctor Atomic, de John Adams. Aqueles que tiveram algum contato com a produção do norte-americano Peter Sellars sabem que seu trabalho jamais passa despercebido – e o mesmo vale para sua própria figura.
Mas na sexta-feira, dia 17 de setembro, o que mais chamou a atenção em sua conversa com os participantes do Ateliê de Criação da Academia de Ópera do Palácio das Artes foi sua humanidade absolutamente cativante. E o humano na arte foi a tônica da conversa, que se estendeu muito além do inicialmente combinado. “Quero ouvir vocês, quero conhecê-los todos!”, dizia, percebendo que as perguntas brotavam no chat da plataforma Zoom.
Uma jovem artista perguntou sobre que conselho daria aos que estão começando. “Faça a sua arte e não tente imitar a dos outros. É esse o motivo do meu trabalho estar em destaque desde que eu tinha 14 anos!” Bem, estamos falando de um aluno que montou Antonio e Cleópatra, de Shakespeare, na piscina de uma residência de estudantes de Harvard e que se tornou diretor do American National Theater, em Washington, aos 26 anos.
Mas não é só no palco que Sellars discute questões desafiadoras, como raça, guerra, pobreza, crise dos refugiados, mas também na roda de seus cursos Arte como Ação Social e Arte como Ação Moral na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), onde leciona há mais de trinta anos. Quando perguntado sobre seu processo criativo, destacou a importância das ideias da equipe em todas as etapas, desde o início. “Se o trabalho parece estar exatamente como o concebi na minha cabeça, sei que não vai funcionar.”
Amor, diálogo, empatia, entrega à própria criação, atenção às questões de seu tempo, vida interior. Podem até soar clichês, mas who could ask for anything more? Básico, óbvio (será?). Fácil? Nem um pouco. Diante de uma postura que impressiona tanto, a sensação é de sair da reunião conquistada e inspirada, por um lado desconfiando de tanta abertura e generosidade e, por outro, sentindo vergonha de ter escondido o doce caos da maternidade pandêmica atrás de um nome sobre uma tela preta.
* Texto produzido no módulo de jornalismo e crítica musical do Ateliê de Criação: Dramaturgia e Processos Criativos, promovido pela Fundação Clóvis Salgado, sob orientação de João Luiz Sampaio
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