Por Roberto Borges*
Compartilhar: uma das palavras cânones da cultura digital, como o verbo curtir e seus derivados, vem caindo no limbo do banal na dinâmica das relações humanas. Nada que possa ser irreversível, segundo o encenador norte-americano Peter Sellars. No último dia 17 de setembro, durante uma aula magna virtual promovida pela Academia de Ópera do Palácio das Artes, Sellars afirmou que ‘Compartilhar’ (To share) é a chave para que a sociedade e a arte lidem com os desafios pós-pandêmicos.
Reverenciado por sua inventividade, o diretor aceitou o convite dos curadores Lívia Sabag e Gabriel Rhein Schirato para falar aos participantes do ateliê de criação de libretos da instituição mineira a respeito da sua vasta trajetória, que inclui encenações memoráveis do repertório clássico operístico, passando por Shakespeare e indo até criações contemporâneas como as colaborações com os compositores John Adams e Kaija Saariaho.
Durante quase três horas, o encenador estadunidense mostrou na prática a verdadeira dimensão do verbo compartilhar. Comandados pelo jornalista e crítico João Luiz Sampaio, um público diversificado de profissionais do palco, incluindo diretores de cena, músicos, escritores e compositores, dialogou com Sellars a propósito de vários temas caros à produção de ópera contemporânea, como renovação de público, renovação da linguagem, financiamento, colaboração criativa e a aguardada retomada após a pandemia.
Segundo Sellars, o futuro da ópera passa pelo engajamento com o público: “Cinquenta por cento da crise da ópera está na plateia. É importante que pelo menos metade do público no teatro saiba o que está fazendo ali”. E, para criar engajamento, só há uma solução: conhecer de perto o público, acessar seus medos e anseios por meio da generosidade e da troca entre as pessoas. “Para quem o quê você faz é importante?”, provocou o encenador.
Sellars criticou também a ausência do ritual na sociedade contemporânea. Ele questionou a frieza das pessoas em relação aos quatro milhões de mortos pela epidemia de Covid-19 no mundo. “Onde está o ritual? Nós ainda não choramos nossos mortos da pandemia. Como seguir em frente antes de honrarmos essas pessoas?”, lamenta o diretor.
O aspecto coletivo da ópera foi ressaltado também durante a fala: “Ópera é uma palavra italiana que quer dizer trabalho no plural. Trata-se de um esforço coletivo empenhado por um grupo de pessoas”. Daí, segundo ele, a importância do compartilhar. “As pessoas precisam de amor, setenta por cento delas se sentem inadequadas. Ame as pessoas, sinta do que elas têm medo e em cima disso organize seu trabalho.”
Sellars afirmou que “a ópera tal qual foi concebida está mesmo morrendo”. Isso não impede que, por meio da empatia e da troca, uma nova ópera surja já que “é papel do artista criar modelos de futuros possíveis”.
De maneira geral, Peter Sellars demonstrou na prática todo seu discurso. Mostrou para todos os presentes o caminho da verdadeira troca, do verdadeiro compartilhamento, que passa pela escuta do outro. Sellars focou na força motriz que une a todos: o amor. E, durante o encontro acessou o lado humano de cada um, de forma que saíssem transformados daquele final de tarde, sonhando com um futuro possível para a ópera por meio da empatia."
* Texto produzido no módulo de jornalismo e crítica musical do Ateliê de Criação: Dramaturgia e Processos Criativos, promovido pela Fundação Clóvis Salgado, sob orientação de João Luiz Sampaio
![Peter Sellars durante conversa com os alunos do Ateliê de Criação [Reprodução]](/sites/default/files/inline-images/SELLARS_2.jpeg)
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