Por Guilhermina Lopes*
No dia 20 de novembro, a Academia de Ópera 2021 do Palácio das Artes, em parceria com o Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa, promoveu uma conversa entre o diretor teatral brasileiro Antônio Araújo, fundador do grupo Teatro da Vertigem, e o compositor português Luís Soldado, mediada pelo musicólogo português João Pedro Cachopo.
Os dois convidados são conhecidos por montagens de espetáculos em espaços não convencionais. Araújo, por exemplo, levou público e elenco num barco pelo rio Tietê, em BR3; situou em um presídio a peça Apocalipse 1.11, uma crítica ao massacre do Carandiru; e encenou Dido e Eneas, de Purcell, em um galpão de produção do Theatro Municipal e Orfeu e Eurídice, de Gluck, na Praça das Artes ainda em construção. Luís Soldado esteve à frente de iniciativas como a ópera imersiva É possível resistir, que envolveu diversos grupos amadores pela cidade de Torres Vedras, e Serei eu Fugindo?, encenada durante a viagem de trem da linha Lisboa-Cascais.
A primeira experiência de Araújo nesse sentido foi a encenação, em 1992, de O paraíso perdido em uma igreja católica ainda ativa do centro de São Paulo, que causou muita controvérsia com fiéis mais conservadores, num barulhento protesto que tomou todo o tempo do espetáculo de estreia. Foi, de certo modo, uma situação traumática, mas que deu logo de início uma mostra da necessidade desse tipo de intervenção no espaço público.
Pensar a “ópera fora da caixa” é também olhar a “caixa” de fora. Os dois participantes da mesa relataram que um dos fatores que os levaram a buscar outros espaços foi a situação dos teatros de ópera em seus países. No caso de Portugal, o único existente é o Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, pouco aberto a novas obras e propostas de montagem. No caso brasileiro, embora tenhamos um número maior de casas especializadas no gênero (mas ainda muito pouco proporcionalmente ao país) a crítica se relaciona à visão de inacessibilidade social desses espaços pela população.
Luís Soldado observa que o público dessas novas óperas é bastante diferente do público habitual do gênero. São pessoas mais ligadas ao teatro e à performance, principalmente jovens, embora sempre apareçam também alguns amantes de ópera abertos e interessados. O mais empolgante, para ambos, é quando a população local se envolve com o espetáculo, como foi o caso da ópera em Torres Vedras e do espetáculo Bom Retiro 958 metros, um percurso noturno pelo bairro paulistano.
No caso das óperas compostas por Luís Soldado, trata-se sempre de material musical projetado especificamente para os espaços onde serão apresentadas, muitas vezes sabendo previamente até mesmo que cantores e instrumentistas estarão envolvidos, o que facilita bastante a adaptação acústica. Já as duas óperas encenadas por Araújo eram do repertório tradicional, e havia ainda frequentemente o desafio de convencer os músicos, tão habituados aos teatros, a abraçar as novas propostas. Cita o caso de quando ele e o saudoso maestro Nicolau de Figueiredo propuseram que um solo de flauta em Orfeu e Eurídice fosse apresentado num patamar superior da construção, longe do restante da orquestra. O resistente instrumentista acabou por se surpreender com o resultado.
Durante a conversa, João Pedro Cachopo propôs aos dois uma provocação: que metáfora caracterizaria melhor sua busca por novos públicos – uma vara de pescar ou uma mensagem lançada ao mar numa garrafa?
Para Luís Soldado, talvez um pouco das duas, mas não exatamente. É preciso conhecer o público e abordar algum aspecto que o atraia, como uma isca, não com o objetivo de o levar posteriormente ao espaço do teatro, mas de o manter envolvido com aquele espetáculo específico. Nesse sentido, a mensagem na garrafa traria uma imprevisibilidade de adesão e repercussão que condiz mais com sua proposta.
A crítica de Araújo à metáfora da vara é semelhante à de Luís Soldado. O diretor também não se vê representado na metáfora da garrafa, por esta trazer uma ideia de mensagem indivíduo-indivíduo e não incorporar o coletivo. A imagem que busca é a da criação de uma ágora – referência ao espaço comum de circulação e trocas das cidades gregas antigas.
O espaço, em suma, são as pessoas.
* Texto produzido no módulo de jornalismo e crítica musical do Ateliê de Criação: Dramaturgia e Processos Criativos, promovido pela Fundação Clóvis Salgado, sob orientação de João Luiz Sampaio
![Cena do espetáculo 'Serei eu fugindo', de Luís Soldado [Divulgação]](/sites/default/files/inline-images/Serei-Eu-Fugindo-_-destaque.jpg)
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