Celebração íntima, ágil e afetuosa de Waldemar Henrique

por Jorge Coli 29/09/2025

José Sacramento, Calebe Faria e Carolina Morel constroem uma apresentação que flui com viva elegância, sustentada por musicalidade orgânica e um prazer evidente em fazer música e arte

Assisto a um vídeo da apresentação Tudo isto é teu: uma celebração de Waldemar Henrique. A filmagem é um registro do Festival de Ópera do Theatro da Paz, em Belém do Pará, no ano de 2025. É um espetáculo de natureza íntima, ágil e leve, que já circulou por outros lugares: Sala Cecília Meireles, Theatro da Paz, Escola de Música da UFRJ e Palácio da Cultura Sônia Cabral (Vitória). 

Trata-se de um evidente gesto de afeto. Um grupo de jovens artistas, operando sem o recurso de financiamentos, constrói uma apresentação que flui com viva elegância, sustentada por musicalidade orgânica e um prazer evidente em fazer música e arte. Essa felicidade é o combustível e, ao mesmo tempo, o tema central do espetáculo. 

Dou já os nomes dos responsáveis por essa alquimia. Calebe Faria é o arquiteto da ideia, ele concebeu e dirigiu o projeto. Barítono que é também pianista, ele acentua a dinâmica de fluidez: em alguns momentos ele se põe ao piano e se junta, ou se alterna, com José Sacramento, o pianista titular, numa conversa musical de rara conivência. Sacramento, por sua vez, multiplica-se: do piano ao pandeiro, e deste a uma participação vocal discreta, mas eficaz, demonstrando-se perfeitamente integrado com o espírito da apresentação. Completando o núcleo vocal, Carolina Morel, soprano de timbre delicioso, entrelaça sua voz com a de Faria em duetos ou expõe sua arte em solos muito aplaudidos. Entre os três, estabelece-se não apenas uma sintonia técnica, mas uma cumplicidade que conquista de imediato o público.

A essa base musical somam-se os movimentos dos bailarinos Manuela Roçado, Tabata Salles, Alyson Trindade e Rodrigo Hermesmeyer. A intervenção deles não é uma ilustração literal das canções, nem um elemento separado. Atuam como extensões físicas da música, interpretando nuances emocionais e pulsações. Surgem em momentos oportunos, acrescentando camadas de significado e movimento à narrativa, sem jamais sobrecarregá-la. A presença deles é orgânica, como se a música, transbordante, precisasse também se manifestar em forma de dança.

O formato é o de um espetáculo de câmara, e essa é uma grande virtude. Pode ser montado com simplicidade de meios, entregando, em contrapartida, um alto resultado artístico. O eixo de tudo são as canções de Waldemar Henrique, compositor paraense que, em seu ápice, foi um nome popularíssimo, capaz de traduzir em melodia a alma e os mitos da Amazônia. Suas canções, como Tamba-Tajá, Matintaperêre, Cobra grande, Foi boto, sinhá, que já foram patrimônio afetivo de gerações, hoje parecem um pouco esquecidas nos programas dos recitais.

O que Tudo isto é teu: uma celebração de Waldemar Henrique faz é tirá-las dessa redoma de nostalgia. O grupo não as aborda com a solenidade de uma peça de museu, mas com o frescor de quem redescobre uma joia. Elas são revividas com a musicalidade que respeita sua origem, mas as imbui de uma simpatia e um vigor contemporâneos. É como se dissessem, ao público e à própria obra de Waldemar: "Estão vendo como isso pulsa e nos fala?".

José Sacramento, Calebe Faria e Carolina Morel em apresentação do espetáculo no Theatro da Paz, em Belém [Agência Pará]
José Sacramento, Calebe Faria e Carolina Morel em apresentação do espetáculo no Theatro da Paz, em Belém [Agência Pará]

 

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