Como foi a estreia de Thierry Fischer com a Osesp

por Jorge Coli 09/03/2020

O concerto de abertura da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que aconteceu no dia 5 de março, revestiu-se de interesse singular. Depois de passar oito anos sob a batuta de Marin Alsop, ela se apresentou com seu novo diretor musical Thierry Fischer.

Esta situação acompanha-se de grandes expectativas. Não ponho em dúvida as inegáveis qualidades artísticas dos regentes que sucederam a John Neschling, ou seja, Yan-Pascal Tortelier (por um ano) e Marin Alsop, mas é fato que a orquestra veio perdendo sua energia e sua poderosa personalidade inicial, desde sua radical transformação promovida por Neschling, assistido por Minczuk. Não discuto nem as características musicais ou humanas desses músicos. Exprimo apenas o que posso constatar.

Portanto, a vinda de Fischer significa a perspectiva de um maestro cujo nível musical é alto, mas, além disso, a esperança de que ele seja capaz de tirar a orquestra de seu conforto rotineiro para lhe constituir um caráter digno de sua alta qualidade técnica. E que corresponda, portanto, com merecimento, ao salário que lhe é oferecido. Coisa difícil, pois os salários desses regentes estrangeiros se contam por centenas de milhares de reais.

O concerto inaugural apresentou a Missa Solemnis, de Beethoven, obra complexa do grande compositor, com proporções monumentais, exigindo, além da orquestra, coro e solistas.

Eu nunca ouvi a Sinfônica do Estado tão cristalina, tão transparente, expondo com tal clareza as diferentes estantes como nesse concerto. Mesma observação para o coro (composto pelo Coro da Osesp e pelo Coro Acadêmico da Osesp), admirável de leveza e de limpidez. Nem amálgama, nem espessura, os timbres harmonizavam-se, deixando-se transparecer uns através dos outros. Pensei na metáfora da catedral, que Vincent d’Indy empregou para esta missa: era isso, uma esplêndida sequência de cores sonoras atravessando vitrais.

À maravilhosa sonoridade associou-se uma leitura cuidada nas articulações, nos detalhes ínfimos, atenta à construção do conjunto.

Thierry Fischer com Osesp [Divulgação]
Thierry Fischer com Osesp [Divulgação]

O Kyrie não avançou nem veemente, nem lírico, nem suplicante. Em sua progressão, não me pareceu evocar aquilo que Beethoven deixou escrito à margem desse trecho, em sua partitura: “Saído do coração! Que ele volte ao coração”. Havia ali uma concepção comportada, mesmo prudente, ou, se se quiser, com grande contenção de sentimentos.

O Gloria, no entanto, explodiu com brilhos intensos, e o Credo foi levado com intensidade dramática e lírica, muito arquiteturado e, no Sanctus, o Praeludim orquestral, que separa a Osana do Benedictus, a espiritualidade atingiu seu apogeu. Emmanuele Baldini, nas longas e sublimes passagens de violino, mostrou-se um admirável solista.

Enfim, o admirável Agnus Dei, e seu fervoroso apelo para a paz, a súplica para a eliminação dos ódios, traduziu-se, sonora, numa plenitude convicta.

Os quatro cantores solistas desempenharam muito bem a tarefa difícil que Beethoven lhes impôs. Apenas, talvez, o mezzo-soprano Kismara Pezzati tenha demonstrado menos projeção e volume da voz, mas integrou-se ao conjunto em que o tenor Atalla Ayan desdobrou a generosidade de seu timbre, o soprano Susanne Bernhard a força impositiva de seu canto e o barítono Michael Nagy sua expressão dramática (que belo início do Agnus Dei!),

Fischer não é maestro do arrebatamento, da narração impetuosa, dos grandes efeitos dramáticos. Não é um maestro que arrebata a plateia, ou que suscita a explosão de aplausos. A essas qualidades ausentes, ele contrapõe a precisão, a finura, a estatura apolínea, a beleza da estrutura.

Ótimo, parece-me, que a Sinfônica do Estado tenha um maestro assim, de elevada qualidade.

Resta saber se ele vai se dedicar à orquestra não apenas nos concertos dos quais é responsável, mas em seu espírito, em sua individualidade. Esperemos que assim seja, e que os tempos de neutralidade tenham passado para aquele formidável conjunto musical.

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