Biografia revela vida e obra de Amélia Brandão, a Tia Amélia

por Luciana Medeiros 01/03/2024

Chega ao público no dia 8 de março, não por acaso o Dia Internacional da Mulher, o primeiro livro sobre uma figura ao mesmo tempo importantíssima na música popular e folclórica, no rádio e na TV do Brasil e quase totalmente esquecida pelas gerações mais recentes. Tia Amélia – O piano e a vida incrível da compositora (Tipografia Musical), da jornalista e produtora Jeanne de Castro, mergulha fundo na vida da pernambucana Amélia Brandão e de sua espetacular persona – Tia Amélia. O livro defende os méritos, narra as lutas, mostra a força e a arte de Tia Amélia, com ajuda de documentação histórica, jornalística e muitas entrevistas, e conta com um carinhoso aval de Ruy Castro na contracapa.

“Meus dois impulsos foram, primeiro, o extraordinário disco de Hércules Gomes, Tia Amélia para Sempre, lançado em 2020”, conta Jeanne. “Ele me apresentou os discos de Tia Amélia e o projeto. E, em segundo lugar, a presença de Maria José Sampaio Brandão, sobrinha de Amélia, que trabalha firme pela memória da tia – fundou inclusive uma ONG em Recife em torno da grande figura e sua vida.”

Nascida em 1897, filha de um comerciante bem-sucedido, foi a primogênita de cinco filhos do casal João e Joana Brandão – ambos músicos amadores. Ele, clarinete, ela, piano, e o resultado eram muitos saraus e uma menina que, aos 4 anos, já batucava o piano. Tudo com a bênção da família – afinal, era de bom tom que as moças prendadas tocassem piano.

Aprendeu as primeiras lições com uma prima e compunha. “Mas uma valsa composta aos 12 anos em homenagem aos pais criou um conflito interno na menina”, segue Jeanne. “Louco pelos clássicos, João chamou a bonita valsa Gratidão de ‘musiquinha’ – palavra que aplicaria, sem exceção, para toda música popular. Isso criou uma tensão que perdurou a vida toda de Amélia. Por exemplo, numa entrevista tardia, ela diz: ‘Eu não seria uma Guiomar Novaes, não tomava gosto pelo clássico. Descobri que era compositora’”.

Ela foi para Lisboa aos 15 anos para se aperfeiçoar, por seis meses. Na volta, pouco depois, foi levada ao casamento com um herdeiro de engenho, José Ignácio Nery. Mesmo isolada, mesmo com três filhos, não deixou a música. O marido, porém, a oprimia, como o pai. Começa aí a transformação de Amélia Brandão: ela foge com três filhos para o Recife e passa a se dizer viúva. E, por sorte ou circunstâncias, o marido nunca se reapresentou, até o fim da vida dela.

Começa aí a nascer Tia Amélia. E Jeanne desvenda uma trajetória impressionante, de persistência, dedicação, resistência, talento e empatia. Tia Amélia estava a postos no ascender da rádio no Brasil, no nascimento da televisão, criou formatos de programas, abriu horizontes da música para espectadores de muitas gerações. “Ela era extremamente sagaz, inteligente, tinha autonomia, apresentou-se pelo Brasil e em vários países”, enumera Jeanne. “Além disso, a persona Tia Amélia era bem-humorada e alegre – veja uma curiosidade: quando surgiu a personagem, ela não teve qualquer problema em aumentar dez anos da própria idade. Tinha 56, cravou que já estava nos 66, para incorporar a tia com mais credibilidade e não concorrer com jovens da bossa-nova ou do iê-iê-iê.”

O volume percorre com riqueza de detalhes a carreira de Tia Amélia, sempre discreta em termos de vida pessoal. Linda quando jovem, estudiosa, dedicada ao resgate do folclore, tinha a técnica elogiada até pelo rígido Eurico Nogueira França (“Tia Amélia é uma continuadora das tradições de Nazareth (...) e enquanto Nazareth se afeiçoou mais Chopin, tia Amélia demonstra a predileção por Liszt”). Jeanne descobriu fatos curiosos, como a falsa viuvez de Tia Amélia, seu trabalho na Rádio Clube de Pernambuco e no Cine Ideal em Recife, a gravação de 40 fonogramas no Rio e seu contato com Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga nos anos 1930.

Virtuose como intérprete, original como compositora, admirada por Pixinguinha e Jacob do Bandolim, Tia Amélia é figura respeitada e amada por músicos como Egberto Gismonti. Hércules Gomes, em seu encarte, fala dos “baixos que Tia Amélia fazia com sua mão esquerda, um capítulo à parte, em que ela imita um violão 7 cordas em moto perpetuo, o que traz grandes dificuldades técnicas para a música”.

Embora tenha gravado muito pouco – e aí reside, em boa parte, o desconhecimento em que seu nome caiu –, para muitos artistas Tia Amélia está nas origens da opção pela música. De Angela RoRo à cavaquinhista Luciana Rabello (“Tia Amélia era minha Xuxa”, diz Luciana; “ela suingou no piano, trouxe uma rítmica, uma brasilidade”), de Maysa e Júlio Medaglia, a pianista pernambucana atravessou o século XX numa trajetória que ultrapassou os handicaps: mulher, nordestina, nascida no finzinho do século XIX, separada do marido, sustentando os filhos e duelando com a sociedade preconceituosa.

O projeto do livro foi selecionado em 1º lugar no edital #ProAC2022, na categoria Literatura Não Ficção. O lançamento, no dia 8 de março, às 19h, tem entrada franca, com senhas distribuídas a partir de 18h30. Será na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, com recital de Hércules Gomes e sessão de autógrafos. 

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Tia Amélia [Reprodução]
Amélia Brandão, a Tia Amélia [Reprodução]

 

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