Filme ‘Liquid voices’, de Jocy de Oliveira, é selecionado para Festival de Madri

por Luciana Medeiros 05/08/2019

Em um tempo de mídias cruzadas, é fato notável que dois gêneros artísticos centenários sejam apresentados em nova formatação. Claro, o cinema já encontrou a ópera muitas vezes – ao filmar produções e adaptar montagens tradicionais para a narrativa cinematográfica, ou mesmo promover transmissões ao vivo de récitas para telas do mundo. Mas, até onde se sabe, Jocy de Oliveira é pioneira ao criar uma ópera especificamente para o cinema, caso de Liquid Voices – A história de Mathilda Segalescu.

A partir de um fato real, o naufrágio no Mediterrâneo do Struma, navio romeno que levava 800 judeus fugindo da Europa na Segunda Guerra, a compositora – nascida no Paraná, mas radicada no Rio de Janeiro há muitas décadas – produziu a narrativa ficcional em torno de uma passageira, cantora, e seu piano. O enredo acompanha um pescador árabe que encontra o instrumento numa praia turca, anos depois da tragédia, e dialoga em seus delírios com o espectro de Mathilda. (Veja aqui o trailer do filme)

Filmado em 2017 nas ruínas do antes luxuoso Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, com o Ensemble Jocy de Oliveira e os cantores Luciano Botelho e Gabriela Geluda, Liquid Voices recebeu indicações para quatro festivais europeus de cinema. Foi premiado em Londres (Best Sound Design) e em Nice (Best Original Score) e segue agora para Madri, onde será exibido no dia 15 de agosto e concorre nas categorias de trilha original e cenografia.

“Esse trabalho nasceu de um longo processo, que começou no meu vídeo Noturno de um piano [veja abaixo]”, explica Jocy, “que sugeria o naufrágio de uma cultura. Segui na ideia no prêmio da Bogliasco Foundation, mas a consolidação do enredo e do formato foi um insight, uma ideia súbita. Concebi roteiros de cinema e de palco simultaneamente”.

 

A ópera em versão teatral foi apresentada em São Paulo pouco antes da filmagem. “A grosso modo, pensa-se que o cinema torna qualquer coisa possível, mas não é assim que vejo”, considera Jocy. “O cinema oferece uma visão mais, digamos, naturalista, e o palco tende a usar a linguagem simbólica para levar o espectador a imaginar de maneira mais rica. Estou, aliás, preparando um livro com os dois roteiros, documentando a criação paralela e as soluções de cada cena, no teatro e no cinema.”

A compositora garante que as reações de público e crítica, nos festivais europeus, têm sido de “enorme interesse”: “Já ouvi análises muito profundas, ressaltando que esse é realmente um formato novo. Falaram que é um trabalho muito corajoso, uma avaliação que na verdade não entendo”, ela confessa.

Não há perspectivas por enquanto de exibição em festivais brasileiros. “Aqui no Brasil não existem categorias fora do tradicional, tais como Experimental ou Vídeomúsica”, aponta Jocy. “Mas certamente faremos uma exibição e um lançamento aqui”, garante ela, que não pretende mais escrever óperas mas continua criando – acaba de enviar para Copenhague uma peça encomendada para viola. 

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Cena do filme ‘Liquid voices’ [Reprodução]

 

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