Morre aos 90 anos o pianista Gilberto Tinetti; artistas homenageiam seu legado

por Redação CONCERTO 19/06/2022

Morreu neste sábado, dia 18, aos 90 anos, o pianista Gilberto Tinetti. Intérprete de uma vasta gama de repertório, com destaque para a música brasileira, ele desenvolveu também uma fundamental trajetória como professor de gerações de artistas do país. O velório será realizado no Theatro Municipal de São Paulo na segunda-feira, dia 20, das 9h às 15h.

Tinetti estudou Direito no Largo São Francisco, em São Paulo, mas a música logo se impôs em sua vida. Em Paris, foi aluno de Magda Tagliaferro e, no final dos anos 1950, venceu o Concurso da Academia Internacional de Verão do Mozarteum de Salzburgo, apresentando o Concerto nº 1 para piano e orquestra de Brahms.

Na Europa, conheceu o compositor Heitor Villa-Lobos. Sobre o encontro, escreveu o pianista Antonio Vaz Leme em um texto publicado em 2016 na Revista da USP, no qual fala também do importante contato nesta época com Camargo Guarnieri. 

“Tinetti foi ao encontro do compositor [Villa-Lobos] por conta de uma correpetição particular, que faria a uma colega russa, Nadia Gedda-Nova (que teria sido esposa do grande tenor Nicolai Gedda) em um estúdio da Salle Gaveau. Ela tocaria a parte solista do Quinto Concerto de Villa-Lobos. No dia da apresentação, Tinetti chega mais cedo e já encontra Villa-Lobos acompanhado por sua esposa Mindinha (Arminda Villa-Lobos). Já sua colega, se atrasa. Neste descompasso, o compositor pergunta: “Você não toca nada meu?”, e Tinetti ataca o Prelúdio das Bachianas Brasileiras nº 4. A partir desse encontro com o compositor, Tinetti registra orientações interpretativas valiosas: primeiro, a valorização dos baixos em oitavas (segundo Tinetti, Villa-Lobos teria dito: “Aí está o Bach!”). Já no início da segunda página, na sequência descendente e modulante do tema Villa-Lobos “pediu que eu acelerasse um pouco"."

 

Tinetti gravou com a Orquestra Filarmônica da Rádio e Televisão Francesa o Concerto para piano nº 4 do compositor. Apresentações na Europa seguiriam constantes, mas o retorno ao Brasil nos anos 1960 marcaria o início de seu trabalho como professor, com ele assumindo aulas e a direção artística no Seminário de Música Pró-Arte de São Paulo, fundado por Hans-Joachim Koellreutter.

Entre 1980 e 2002, Tinetti foi professor do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Ali, formou diferentes gerações de artistas, dando aulas de piano e também de música de câmara, criando uma escola que segue presente por meio de seus discípulos, hoje também professores, na nova geração brasileira do piano.

Em 1986, começou a colaboração com a Rádio Cultua FM, onde estreou com um programa em homenagem a Magda Tagliaferro. Nas décadas seguintes, apresentaria o Pianíssimo, que ficou no ar de 1996 a 2019. Também atuou como comentarista de diversas transmissões de concertos, tanto pela rádio como pela TV Cultura.

 

A música de câmara teve papel importante em sua trajetória. Em 1975, ele formou, com o violinista Erich Lehinger e o violoncelista Watson Clis, o Trio Brasileiro, com o qual recebeu duas vezes o Prêmio Carlos Gomes. O grupo tornou-se referência ao apresentar e gravar tanto obras do chamado grande repertório quanto a produção de criadores brasileiros, muitas vezes encomendando obras. Tinetti também gravou em duo com artistas como o violoncelista Antonio Meneses. 

Legado

A notícia da morte de Tinetti gerou depoimentos emocionados e homenagens nas redes sociais. “Finesse, cultura, delicadeza. Tinetti ensinou mesmo aqueles de nós que não tivemos o privilégio de sermos seus discípulos diretos. As saudades são quase tão grandes quanto o legado desse supremo artista e educador musical. Obrigado por tudo, Gilberto!”, escreveu o jornalista e crítico musical Irineu Franco Perpetuo.

 

A violinista Elisa Fukuda afirmou que Tinetti deixará saudades pelo seu amor incondicional pela música, “como pedagogo, como pianista, um exemplo de artista sério”. “Obrigada Gilberto por tudo que fez pelos jovens músicos, com seu olhar paternal”, escreveu. 

“Acabou mais uma linda e superprodutiva vida de grande músico e ser humano. Vai ser lembrado por muitos com amor”, disse a pianista Olga Kiun. Para a professora Yara Caznok, Tinetti foi “um monumento, gigante no conhecimento e na sensibilidade”.

Diretor da Sala Cecília Meireles e compositor, João Guilherme Ripper afirmou que “a música brasileira perde a arte, técnica e elegância de Tinetti, um de nossos maiores intérpretes”.

O compositor Ronaldo Miranda relembrou os primeiros contatos com o músico. “Ele deixa uma legião de ex-alunos brilhantes, de Lilian Barretto a Antonio Vaz Lemes, além de incontáveis admiradores. Nossa amizade durou décadas, assim como nosso convívio profissional. Tinetti corajosamente foi o primeiro grande pianista a tocar meu Concerto para piano, que apresentou primorosamente com Issac Karabtchevsky, John Boudler, Armando Krieger e Eleazar de Carvalho. Confiou num jovem compositor de 35 anos de idade.”

A pianista Clara Sverner relembrou a amizade com Tinetti. “Foi uma excelente pessoa e colega. Pensava nele hoje, sem saber.”

A flautista Cassia Carrascoza lembrou as aulas com Tinetti na Universidade de São Paulo. “Foi meu professor de música de câmara na USP, tão querido, sentava ao piano para mostrar para os seus alunos como resolver os problemas e acabava tocando movimentos inteiros comigo, foram aulas maravilhosas, nas quais ele nos encorajava afetuoso, entusiasmado, generosamente.”

“Triste com a notícia da partida do grande, imenso pianista Gilberto Tinetti…Adeus, mestre… teu legado continua perpetuado através da legião de pianistas brasileiros que você formou e inspirou. Obrigado pelo teu exemplo, pela tua elegância e imensa cultura”, escreveu violinista e maestro Luis Otavio Santos.

“Muitíssimo obrigado Gilberto Tinetti, querido amigo e mestre. Que vida gloriosa: referência e reverenciado por gerações de artistas, amigos e público”, despediu-se o maestro Gabriel Rhein-Schirato. 

[O velório do pianista, morto no último sábado, será realizado na segunda-feira, dia 20, no Theatro Municipal de São Paulo, das 9h às 15h]

[Clique aqui para ler a entrevista que Gilberto Tinetti concedeu à Revista CONCERTO em junho de 2011.]

Gilberto Tinetti [Divulgação/Rádio Cultura FM]
Gilberto Tinetti [Divulgação/Rádio Cultura FM/Adriana Elias]

 

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