#ÓperaHoje: "Mulheres não podem mais ser caladas no mundo da ópera"

por Redação CONCERTO 19/10/2020

Na tarde de sábado, dia 17, a programação do webinar #ÓperaHoje da Fundação Clóvis Salgado contou com a mesa Mulheres na ópera. Participaram as maestrinas Alba Bonfim e Priscila Bonfim, a diretora cênica Julianna Santos e a diretora da Central Técnica de Produção do Teatro Amazonas Cieny Farias. A mediação foi de Flavia Furtado, diretora executiva do Festival Amazonas 

Alba Bonfim relembrou o início de sua relação profissional com a ópera em 2015, em Aveiro, Portugal, quando fazia seu doutorado e teve contato com uma abordagem para o gênero pautada em parcerias e com estruturas simples. Ali nasceu o desejo de trabalho com o gênero e, em 2017, ela fez residência na Ópera de Dallas. “Foi preciso comer pelas beiradas. No dia seguinte à minha formação como regente, já era vista como uma instrumentista que também sabia reger”, contou. Na volta ao Brasil, a atividade docente tornou-se para ela um caminho para formar público para a ópera, também por meio do trabalho com a Orquestra Filarmônica do Meio-Norte. 

Cieny Farias lembrou que, há 20 anos, trabalhava como telefonista no Teatro Amazonas quando, ao ouvir um trecho de O Guarani, resolveu que precisava estar no palco. “Eu queria trabalhar na técnica. E depois de um ano fui ser assistente do Marcos Apolo, que era então gerente da técnica.” Hoje, está à frente da Central Técnica de Produção, comandando uma equipe de 25 funcionários, número que pode crescer para 300 durante os festivais. “Ser chefe é fácil, mas ser uma chefe mulher, respeitada, não tem preço.”

Julianna Santos falou da questão feminina na interpretação. Para ela, olhar para obras antigas é sempre falar de algo novo. “Reconstruir é sugerir novos olhares.” E esse reconstruir tem a ver com a pessoa que se propõe a fazê-lo. “Quem eu sou determina o meu olhar. Dirigir é falar da nossa trajetória e das múltiplas influências que recebemos. É também falar de diversidade. A arte está na busca por aguçar o sensível. Sempre que dirigimos trazemos referências contemporâneas aliadas a um olhar repleto de nossa história.”

Para ela, não é preciso falar de um tema feminino para ele resultar feminino. “Isso acontece porque sou mulher”, explicou. Mas ressaltou também o trabalho no ano passado com Alma, de Claudio Santoro, uma obra “que trata da história de um processo de violência contra a mulher”. “A arte é transformadora, que ensina não por meio de doutrinação, mas porque integram as pessoas de forma sensível.”

Priscila Bonfim conta que, desde 2000, trabalhando no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, esteve envolvida com os meandros da ópera, o backstage, o palco, o camarim, a sala de ensaios. Em 2016, começou o trabalho de preparação de jovens solistas na Academia Bidu Sayão e foi também realizando trabalho efetivo de direção musical. “Uma vez um maestro me disse: tudo vai bem até que você passa de musicista para maestro. Quando você passa para a posição de liderança efetiva começam os grandes desafios. Ainda hoje li uma entrevista em que uma compositora dizia que o grande desafio é que não temos história enquanto mulheres. Ainda estamos criando essa história. Essas mulheres existiram, mas não eram vistas. Estamos aqui para dizer que elas existem. Nossa meta é que a mulher no pódio não seja mais um grande evento, mas natural.”

Flavia Furtado lembrou que, na juventude, imaginava que o feminismo mais combativo já não era mais necessário. “Como vamos fazendo, temos o impulso de ir para frente, achava que aquilo era passado. Mas na carreira você se dá conta de que ainda não passamos totalmente da necessidade de um feminismo combativo.” Ela lembrou a palestra do Think Olga na programação do seminário, falando da inclusão como potencial de inovação, o conceito de intersseccionalidade, e da necessidade de sermos aliados nessa busca pela diversidade. “Como trazer para o nosso setor uma maior inclusão de mulheres?”, colocou ela para as convidadas da mesa.

Debate do webinar #ÓperaHoje - mesa mulheres na ópera

“O grande ato de militância na ópera é continuar fazendo, incluindo o público e dando a ele o sentido de pertencimento com o gênero. Mas também há uma militância política a se fazer desde a base, porque não conseguiremos resolver a questão no topo, temos que pegar os jovens e crianças que querem cantar e entrar nesse mercado. E também reconhecer quem está nesse mercado”, disse Alba Bonfim.

“A Ópera de Seattle faz questão de ter estreias mundiais de compositoras e diretoras mulheres na sua programação. Não vejo isso como cota. Se a gente pesquisa o repertório brasileiro para programar, podemos pesquisar também essa produção feminina. O Metropolitan Opera demorou 113 anos para ter uma ópera escrita por uma mulher. É possível acreditar em uma coisa dessas? É necessário que haja predisposição das diretorias em ter mulheres atuando em suas instituições”, disse Priscila Bonfim.

Cienny lembrou que há poucas mulheres na área técnica. “Tenho o privilégio de estar ligada a uma secretaria de Cultura em que 80% dos cargos são ocupados por mulheres. Eu nunca sofri assédio, preconceito. Mas preciso me colocar no lugar das outras que não recebem oportunidades. Precisamos nos unir e abrir espaços.”

“Sabemos da demanda cada vez mais forte pela equidade. As questões de gênero, raça e diversidade são discutidas em todo o mundo. Elas exigem uma mudança de muitas camadas, do processo como construímos a sociedade. E nosso papel pode ser crucial ou destrutivo. Os movimentos atuais mostram que há muito ainda a ser feito. Não é um processo de segregação, mas de funcionamento dos sistemas em comunidade, em parceria. O envolvimento dos homens é fundamental nesse processo. É mais uma demanda do mundo do que das mulheres. Uma demanda da sociedade, que precisa contar com as mulheres na construção de um mundo melhor, com toda a riqueza que a diversidade pode oferecer”, colocou Julianna Santos.

Para Alba, é preciso pensar em políticas públicas em três fases. “Primeiro, a garantia da formação; depois, a inserção, pois infelizmente hoje não adianta capacitar; e em terceiro lugar, reconhecer a colaboração das mulheres na sociedade. E, nas escolas, precisamos estar atentos à trajetória dessas meninas, a como ela está sendo construída, garantindo a ela o lugar de fala.” Priscila Bonfim acrescentou a importância de se criar referências femininas - e que as mulheres em cargo de liderança tenham isso em mente. “Essa mesa se complementa com as outras mesas que estão sendo realizadas, pois não adianta ter mulheres aptas se não houver produção de ópera”, completou.

Flavia Furtado lembrou o papel do Fórum de Ópera, Dança e Música Clássica, cuja missão primeira é ampliar o mercado profissional, mas “um mercado que possa vir com as características do século XXI, com mais inclusão”. “Talvez por ser um dos grandes temas do século XXI, a diversidade tem começado a aparecer, estamos dando os primeiros passos, ainda que haja muito ainda a fazer. Como queremos que nossas filhas sejam técnicas, diretoras, maestrinas, se não vemos mulheres nesses postos? Como a Priscila falou, as mulheres foram caladas. Temos que começar uma nova etapa. Não precisa de cota, mas de um olhar atento dos diretores de teatros e programadores. Um exercício para os gestores também é olhar suas folhas de pagamento e ver a disparidade salarial, pois ainda ganhamos menos do que os homens.”

Veja abaixo o vídeo completo da mesa:

#ÓperaHoje – Mesa 7 – Mulheres na ópera
Mediação: Flávia Furtado (AM). Convidadas: Alba Bomfim (PI), Cieny Farias (AM), Julianna Santos (RJ) e Priscila Bomfim (RJ)

 

Confira a cobertura especial da Temporada de Óperas on-line da Fundação Clóvis Salgado.

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