Emoções profundas

por Jorge Coli 20/10/2025

Sinfonia concertante – Das vozes esquecidas, de Marco Padilha, apresentada pela Sinfônica de Campinas, é uma obra de primeira importância no repertório sinfônico da música brasileira e não deve, não pode, ficar esquecida

A Sinfônica de Campinas programou a Sinfonia concertante – Das vozes esquecidas, de Marco Padilha, em seu último concerto, no dia 18 de outubro.

A obra, que havia permanecido ausente dos palcos desde sua estreia em 2004, tem três movimentos: Lamento, Ab Irato e Libera Me. Sua orquestração opera em camadas de texturas densas e demonstra um alcance dinâmico que mobiliza toda a massa orquestral. 

O efeito é absolutamente poderoso sobre o espectador: a música o atinge como que fisicamente, em emoções profundas. Isso ocorre graças ao impacto trágico, direto e comunicativo: é uma obra de primeira importância no repertório sinfônico da música brasileira e não deve, não pode, ficar esquecida.

Sob a regência de Evandro Matté, a execução foi conduzida com precisão e controle gestual, resultando em uma leitura que equilibrou a potência expressiva exigida pela partitura com a clareza das linhas instrumentais. A Sinfônica de Campinas vem oferecendo concertos em igrejas: essa escolha é positiva porque decentraliza as apresentações, embora, por vezes, a acústica não seja lá muito adequada.

Desta vez, o concerto ocorreu na Paróquia Santo Antônio, que demonstrou acústica com reverberação controlada, permitindo a distinção das vozes instrumentais sem perda de presença sonora. Isso foi crucial para uma obra como a de Padilha, cujos detalhes são essenciais para a compreensão de sua textura complexa.

O programa seguiu com a Sinfonia concertante para sopros, de Mozart, uma peça cuja bizantina discussão sobre sua autoria não obscurece vertiginosa beleza, a inventividade incessante que possui. Os solistas, todos membros da orquestra – Carlos Coradini (oboé), Felipe Reis (clarineta), Isaque Elias (trompa) e Francisco Amstalden (fagote) –, apresentaram uma interpretação coesa, na qual a individualidade de cada timbre foi preservada. Houve, contudo, uma predominância do oboé no equilíbrio geral do conjunto, onde a natureza penetrante do instrumento foi acentuada pela ênfase em dinâmicas de forte, ofuscando por vezes os outros solistas.

O concerto encerrou-se com a Sinfonia nº 1, Clássica de Prokofiev, obra que exige da orquestra agilidade técnica, articulação precisa e compreensão estilística que se refere tanto à forma clássica de Haydn quanto ao humor enérgico do compositor. A execução pela Sinfônica de Campinas atingiu todas as qualidades exigidas pela obra, com o desempenho demonstrando precisão nos ataques, nas mudanças de dinâmica, de andamento e no compromisso com os detalhes da partitura.

A apresentação da extraordinária obra de Padilha levanta uma questão sobre o repertório contemporâneo no Brasil. Uma vez apresentadas, as obras contemporâneas, mesmo de grande qualidade, são esquecidas. Bravos para a apresentação da Sinfonia concertante. Nesse embalo, lembro o Estudo para orquestra, obra composta por Olivier Toni para a Sinfônica de Campinas em 1993 e estreada sob a regência de Benito Juarez. Nunca mais foi programada, e é uma partitura admirável, que não merece o esquecimento. A interpretação recente da sinfonia Das vozes esquecidas mostra que a memória da orquestra é um acervo vivo. Esperemos que essa iniciativa não seja um caso isolado, mas um precedente para a redescoberta de nosso patrimônio sinfônico.


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O compositor Marcos Padilha [Divulgação/Carlos Bassan/marcopadilha.com]
O compositor Marcos Padilha [Divulgação/Carlos Bassan/marcopadilha.com]

 

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