Lições de amor e de violência

por Nelson Rubens Kunze 11/06/2023

Ópera de George Benjamin é novo marco na produção lírica do compositor; encenação produzida pela Ópera de Zurique conta com a participação da brasileira Josy Santos

Lessons in Love and Violence é o título da terceira ópera escrita pelo compositor britânico George Benjamin. Nascido em 1960, Benjamin é um nome incontornável quando se fala da criação clássica contemporânea. Basta dizer que ele acaba de vencer o cobiçado prêmio Ernst von Siemens Preis, uma espécie de Nobel da música clássica internacional, no valor de 250 mil Euros (condecorados anteriores foram personalidades como Benjamin Britten, Olivier Messiaen, Pierre Boulez, Herbert von Karajan, Wolfgang Rihm ou Mariss Jansons).

Benjamin é um prodígio. Começou a compor aos 7 anos de idade e com 16 ingressou no Conservatório de Paris para ser aluno de Olivier Messiaen. Depois, seguiu seus estudos no King’s College de Londres, formando-se também em regência. Em sua carreira docente, Benjamin foi, durante 16 anos, professor de composição no Royal College of Music até que, em 2001, sucedeu Harrison Birtwistle como professor no King’s College.

Desde muito cedo, George Benjamin teve suas obras interpretadas por grupos e intérpretes de ponta. Tinha 20 anos quando sua composição Ringed by the Flat Horizon foi apresentada no BBC Proms pela Orquestra Sinfônica de BBC. Dois anos depois seguiu-se a estreia de At First Light pela London Sinfonietta e Simon Rattle. Hoje, obras de Benjamin fazem parte das temporadas das principais orquestras europeias.

A escrita de Benjamin é mesmo cativante. O artista logrou criar obras de uma narrativa musical acessível em um idioma contemporâneo de grande invenção. Como escreveu o MIZ, Centro Alemão de Informação Musical, Benjamin “é um compositor que não se deixou impressionar por modas e tendências, mantendo-se sempre fiel a si mesmo, conseguindo, como nenhum outro, renovar a música usando meios tradicionais” (clique aqui para assistir no YouTube ao Concerto para orquestra de George Benjamin, de 2021).

Mas o grande diferencial de seu trabalho é a música lírica, sempre em colaboração com o escritor e libretista Martin Crimp. A dupla já criou três óperas: Into the Little Hill (2006), Written on Skin (2012) e Lessons in Love and Violence, que foi estreada em Londres em 2018. 

Lessons in Love and Violence é baseada na peça Edward II, de Christopher Marlowe, dramaturgo do período elizabetano, contemporâneo de Shakespeare (século XVI). É justamente a história do rei Edward II, casado com a rainha Isabel e amante, em uma relação homossexual, de Gaveston, seu favorito. Edward, que leva uma vida de amor e prazeres – ele gosta de poesia, teatro e música –, negligencia os negócios de seu reinado e não se importa com assuntos práticos ou com a miséria do povo. O comandante do exército é Mortimer, que inveja Gaveston e ambiciona chegar ao poder, e que corteja a rainha Isabel. Em uma trama conjunta, Mortimer assassina primeiro Gaveston e depois o próprio rei, para que ascenda ao trono o filho deste, quem acredita controlar. No fim do espetáculo, vimos como os filhos de Isabel e Edward – o novo rei e sua irmã –aprenderam as lições de amor e violência... Como descreve o programa, “Lessons in Love and Violence é uma história sobre a imoralidade dos governantes, sobre a ânsia nua de poder e o calor do desejo, e o íntimo como o verdadeiro campo de batalha da crueldade política”. 

Tive a oportunidade de assistir à Lessons in Love and Violence produzida pela Ópera de Zurique, a primeira nova encenação desde a estreia londrina de 2018. E que ópera! Crimp criou sete cenas para adequar a peça de Marlowe. As cenas são eventualmente interligadas por interlúdios orquestrais, que, ao mesmo tempo em que ecoam a cena anterior, já criam a expectativa do que está por vir. Assisti à récita do dia 2 de junho e a execução musical, dirigida pelo maestro israelense Ilan Volkov, foi viva e empolgante, revelando a rica partitura de George Benjamin.

Excelentes também foram os solistas vocais, especialmente o barítono estoniano Lauri Vasar, que fez o papel do rei, e a soprano Jeanine De Bique, natural de Trinidad, que fez Isabel. Gaveston foi cantado por Björn Bürger e Mortimer, por Mark Milhofer. A temporada suíça de Lessons in Love and Violence teve também a participação da soprano etíope-romena Isabelle Haile e da mezzo soprano brasileira Josy Santos, que, em ótimas intervenções, contribuíram para o alto nível de realização vocal do espetáculo.

Infelizmente, porém, a encenação não teve o mesmo impacto da música. Quem produziu a montagem foi o diretor Evgeny Titov, do Cazaquistão, que ambientou a história em um espaço indefinido formado por um cenário escuro de motivos abstratos verde musgo. Como elementos cênicos há eventualmente uma cama ou arquibancadas de cadeiras vermelhas. Figurinos são modernos e se destacam – em um ambiente no todo bem econômico e sombrio – pelo capricho e beleza.

Cena da produção da Ópera de Zurique de ‘Lessons in Love and Violence’, de George Benjamin (divulgação, Herwig Prammer)
Cena da produção da Ópera de Zurique de ‘Lessons in Love and Violence’, de George Benjamin (divulgação, Herwig Prammer)

Titov conduz a narrativa com fluência, explorando bem todo o drama e a crueldade que o texto propõe. No fim, após a coroação do filho sucessor, a montagem sugere uma relação incestuosa entre os irmãos reais. Quando a irmã deixa cair o vestido, surpresa: é um corpo de homem! 

Tudo bem, são as lições de amor e de violência e a ópera trata mesmo dos desejos e das pulsões dos seres humanos. Porém, do ponto de vista teatral, parece-me que a cena final, por sua provocação inesperada, acaba por quebrar a consistência dramática construída ao longo do espetáculo.

Seja como for, para isso que há arte. Para a exploração criativa – e por que não fantasiosa? – das camadas mais profundas de nossa psique e de nossa alma em suas múltiplas dimensões sensoriais. Essa é a potência da ópera! 

[Já há uma gravação de Lessons in Love and Violence realizada pela Netherlands Radio Philharmonic Orchestra dirigida pelo próprio George Benjamin. Clique aqui para ouvir no Spotify.]

Cena da produção da Ópera de Zurique de ‘Lessons in Love and Violence’, de George Benjamin (divulgação, Herwig Prammer)
Cena da produção da Ópera de Zurique de ‘Lessons in Love and Violence’, de George Benjamin (divulgação, Herwig Prammer)

 

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