Os universos infinitos de Esteban Benzecry

por Nelson Rubens Kunze 05/08/2023

Concerto da Osesp revela uma das mais originais vozes do cenário musical contemporâneo

Esteban Benzecry nasceu em 1970, em Lisboa, mas é argentino. E foi na Argentina que cresceu. Estudou composição com Sergio Hualpa e Haydée Gerardi ao mesmo tempo que se formou em artes plásticas. Com 27 anos transferiu-se para a França, onde estudou no Conservatório de Paris com Jacques Charpentier e Paul Méfano. Hoje, aos 53 anos, Benzecry é autor de uma vasta obra que inclui criações sinfônicas (três sinfonias), concertos para violino, clarinete, piano e violoncelo, música de câmara e vocal.

Eu já conhecia a música de Esteban Benzecry pelo seu CD lançado em 2020, pela Naxos, com a Lviv National Philharmonic Symphony Orchestra da Ucrânia sob direção de Pablo Boggiani (clique aqui para ouvir no Spotify). Ali está registrado o seu concerto para violino, um ciclo de canções e o concerto para clarinete. A sua inventividade e potência musical são de cair o queixo.

Ao lado da Passacalha para o novo milênio de Edino Krieger, dos Três movimentos tanguisticos portenhos de Piazzolla e das Danças sinfônicas de West Side Story de Leonard Bernstein, o Concerto para piano e orquestra de Esteban Benzecry, que leva o título de Universos infinitos, foi apresentado pela Osesp nesta semana. O solista foi o pianista venezuelano Sergio Tiempo e a regência de Roberto Minczuk.

A obra – escrita em 2011 e estreada em 2019 pela Filarmônica de Los Angeles, sob regência de Gustavo Dudamel, também com o pianista Sergio Tiempo, a quem foi dedicada – é de um vigor e criatividade impressionantes. Conforme o texto do programa, redigido pelo próprio compositor, “o concerto recebeu um título [Universos infinitos] que se relaciona ao homem e à sua conexão com seus universos interiores e exteriores, num mundo anterior à nossa civilização, onde o tempo era regido pelos ciclos planetários e agrícolas”. Assim, a música, que também faz citações de temas indígenas, descreve “a percepção dos universos ancestrais”, a “busca pelo equilíbrio entre o apolíneo e o dionisíaco”, “o espírito feminino protetor dos sonhos” ou o início de um novo ciclo agrícola de povos originários da América do Sul.

Se essa temática serviu de inspiração ao compositor, ela não transparece diretamente no resultado sonoro. A obra, vazada em uma linguagem tonal moderna, multifacetada, com clusters sonoros e glissandros orquestrais, desafia rótulos. O piano, brilhante e virtuosístico, tem forte presença concertante, mas também algumas passagens solo, quase como cadências. No todo, o instrumento está organicamente inserido na rica e diversificada malha sonora orquestral, que também inclui a harpa e a celesta. É uma exuberância multicolorida de sons, com mudanças de andamentos e atmosferas sonoras – universos infinitos! –, que denotam um raro artesanato composicional. Sem dúvida, a criação musical de Benzecry é uma das mais originais da atualidade.

Assisti ao concerto de sexta-feira, dia 4 de agosto, e o impacto da música deveu-se também ao extraordinário solista Sergio Tiempo e ao ótimo desempenho da Osesp, dirigida com convicção por Minczuk. Uma narrativa musical fluente, encadeamentos orgânicos, naipes homogêneos e equilibrados aliados a competentes solos instrumentais resultaram em uma apresentação muito consistente da obra. A interpretação prendeu a atenção.

Muito aplaudido, Sergio Tiempo voltou ao palco e tocou, como bis, Joropo, uma breve e cativante obra do compositor venezuelano Moisés Moleiro.

Mas o concerto foi, no todo, um sucesso. Não sou muito adepto desses repertórios “temáticos”, mas aqui, dentro de um festival denominado “diálogos latinos”, a proposta era exatamente esta. 

Foi muito boa a interpretação da obra de Edino Krieger que abriu a noite, Passacalha para um novo milênio, encomendada pela Osesp e estreada em 1999 sob direção do próprio Minczuk. Após o intervalo, seguiu-se a obra de Piazzolla e, fechando a apresentação, uma brilhante e inspirada interpretação das Danças sinfônicas de West Side Story, de Bernstein. 

O programa desta semana marcou ainda, após 12 anos, o retorno de Roberto Minczuk à Sala São Paulo dirigindo a Osesp. O maestro foi diretor artístico adjunto e regente associado da orquestra de 1997 a 2005, época em que a orquestra era dirigida por John Neschling e viu a inauguração da Sala São Paulo. Um dos mais brilhantes músicos brasileiros da atualidade, Minczuk é regente titular da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo desde 2017, onde tem se destacado também como regente de óperas.

Clique aqui para ouvir a gravação do concerto da Osesp no YouTube.

[A Filarmônica de Minas Gerais também apresenta a peça de Benzecry nos dias 10 e 11, com Sergio Tiempo e José Soares; veja mais detalhes no Roteiro do Site CONCERTO]

Leia também
Notícias 
Conservatório de Tatuí lança segunda edição do Concurso Joaquina Lapinha
Notícias Osesp inicia celebrações pelos seus 70 anos com concurso para compositoras latino-americanas
Notícias Instituto Baccarelli inaugura restaurante para atender comunidade de Heliópolis
Notícias Funarte anuncia 25ª edição da Bienal de Música Brasileira Contemporânea
Crítica Em ‘A raposinha astuta’, uma realidade fantástica... ou seria uma fantasia realista?, por João Luiz Sampaio

Esteban Benzecry é aplaudido pela orquestra e público na Sala São Paulo (Revista CONCERTO)
Esteban Benzecry é aplaudido pela orquestra e público na Sala São Paulo (Revista CONCERTO)

 

 

Curtir

Comentários

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.