Tchaikovsky e Strauss em leituras de sonoridades ricas

por Jorge Coli 29/09/2023

RIO DE JANEIRO - Terça-feira, dia 23 de setembro, tive a sorte de estar no Rio e de ouvir pela primeira vez dois jovens e assombrosos solistas brasileiros: Miguel Braga, violoncelo, e Felipe Freitas, trompa. Foi no Theatro Municipal, com a Orquestra Petrobrás Sinfônica, regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky.

As Variações sobre um tema rococó, op. 33, de Tchaikovsky abriram o programa. Karabtchevsky, com seu modo de criar expectativas meditadas, lentas, deu uma soberba visão melancólica da obra, e Miguel Braga foi estupendo: sonoridade pessoal, característica, sedosa, de grande beleza, flexibilidade no legato, sentido profundo do fraseado. Uma interpretação quintessencial de Tchaikovsky, de deixar o coração apertado e a alma em admiração.

Como os aplausos entusiasmados no final exigiam um bis, Miguel Braga tocou, de maneira muito inspirada, uma transcrição para violoncelo de O mundo é um moinho, de Cartola. Não bastou. O solista teve que voltar para mais um bis, a Sarabanda, da Suite para violoncelo nº 1, de Bach. O tempo ficou suspenso no modo elevado, afetivo, sensualizado pelo som admirável que Miguel Braga soube produzir.

Em seguida, foi a vez de Felipe Freitas. Ele interpretou o Concerto para trompa nº 2 de Richard Strauss. Obra da maturidade, datada de 1943, ele é bem mais delicado que o nº 1, e, nele, a trompa não se presta para os brados metálicos que o compositor concebeu em seus poemas sinfônicos. Ao contrário, o que conta é a beleza sutil da sonoridade, e que bela sonoridade, untuosa, sem estridências, que sentido da continuidade e das nuanças melódicas Felipe Freitas foi capaz de oferecer! O andante central, cheio de abandono e de nostalgias foi muito comovente, graças à perfeita fusão entre solista e orquestra. O final cheio de espírito, elegante, travesso, e exigente no virtuosismo do intérprete, foi executado com brio e segurança. No bis, violoncelista e trompista juntaram forças numa excelente transcrição do Carinhoso, de Pixinguinha. Inútil insistir sobre o triunfo que coroou os jovens e formidáveis solistas.

Com Karabtchevsky, tudo é fabricado sem pressa, para que todos os momentos surjam na sua intensidade exata e, por isso mesmo, verdadeira

Na segunda parte do concerto, foi apresentada a Sinfonia nº 4 de Tchaikovsky. Que não se espere de Karabtchevsky os brilhos superficiais, os efeitos enfáticos que se costumam ouvir em tantas interpretações dessa obra. Com ele, tudo é fabricado sem pressa, para que todos os momentos surjam na sua intensidade exata e, por isso mesmo, verdadeira.

À grande conclamação inicial dada pela fanfarra, anunciando o tema da fatalidade num efeito muito justo, seguiu-se o desenrolar das forças emotivas: as frases fundiam-se uma nas outras e as acelerações graduadas eram pungentes. Não se tratava de um incêndio, mas de um lento queimar de brasa. No primeiro movimento, os desenhos descendentes nas melodias das madeiras que se sucedem em eco, sobre uma valsa fatalista, pontuada pelo tímpano, ao invés de serem tratados com frivolidade, soavam como o agoniar de coração sofrendo.

Depois, o Andantino, abrindo-se com o tema plangente do oboé, alternava entre os esforços espirituais e as vozes de consolo. No Scherzo, o pizzicato das cordas foi preciso e unânime. No entanto, mesmo a melodia brincalhona nas madeiras tinha algo não tão festivo, ou antes, surgia com o brilho efêmero de uma alegria que não foi feita para durar. Enfim, a veemência do último movimento, Allegro com Fuoco, costurado com a canção da bétula, que Tchaikovsky extraiu do folclore russo, tornou-se uma tempestade exaltada, de efeitos fulminantes. Impacto de um triunfo assustador e ameaçador.

Enfim, uma interpretação cuidada, profunda, que ofereceu à música de Tchaikovsky a grande dignidade que ela merece. Foi também muito bom sentir uma Orquestra Sinfônica Petrobrás de grande qualidade, situando-se entre as belas orquestras brasileiras.

A Orquestra Petrobras Sinfônica e o maestro Isaac Karabtchevsky [Divulgação/FacebookOpes]
A Orquestra Petrobras Sinfônica e o maestro Isaac Karabtchevsky [Divulgação/FacebookOpes]

 

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