Um concerto sensível, construído com linhas finas e sutis

por Jorge Coli 02/07/2023

CAMPINAS – Começo pelo meio, pelos Rückert-Lieder de Gustav Mahler, que foram tão emocionantes.

Foi no concerto dado pela Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, regido pelo maestro Luiz Fernando Malheiro, no último domingo, dia 2, no Teatro Castro Mendes, em Campinas. O solista: Sávio Sperandio.

A voz generosa de Sperandio, de timbre admirável, foi controlada nas linhas mais finas e sutis, abrindo-se nos momentos luminosos, interiorizando-se, crepuscular, comovente, nas passagens sensíveis e melancólicas. Variava a cor de seu timbre sem que isso soasse artificial, mas profundamente necessário. O cantor parecia hipnotizado pela beleza da obra, e no apelo final ao amor, envolveu o público, que hesitou alguns segundos em quebrar o devaneio que ele criara. Esses momentos mágicos, só os intérpretes muito grandes, como Sávio Sperandio, são capazes de instaurar.

O regente e a orquestra são também fundamentais numa obra como essas, com um tecido sonoro intricado, com vários solos que dialogam com o cantor, criando a atmosfera necessária. O trabalho de Luiz Fernando Malheiro foi o de um ourives: tudo finamente dosado, sensível, numa admirável fusão com a voz.

Malheiro é um mestre do largo fraseado, mas preferiu submetê-lo a uma profundidade reflexiva rara

Um sublime momento, que só por ele valia muito a ida ao teatro Castro Mendes. Mas não foi tudo. Luiz Fernando Malheiro concluiu o concerto com a Terceira sinfonia de Brahms.

Foi a fundo no sentido intrinsecamente musical da obra. Quero dizer aqui que não investiu a partitura com retórica dramática ou outra, deixando fluir a intrincada e admirável construção musical. Há como que uma inquieta vibração interrogativa no primeiro movimento, como que perguntas e respostas, que foram tratadas com uma atenção interior. No andante, o tecido se faz ainda mais sutil, e como foram dosados os diferentes naipes! Como os contrastes foram tratados com delicadeza! O final desse movimento, com a superposição metais-madeiras-cordas, e a ascensão final das cordas, foi algo de maravilhoso.

O terceiro movimento, o mais popular, irremediavelmente associado ao Aimez-vous Brahms, de Françoise Sagan, ao invés de adquirir o aspecto arfante, respiratório, curvilíneo, vegetal, art-nouveau, com o qual tantas vezes é apresentado, foi habitado por lentidões meditativas. Malheiro é um mestre do largo fraseado, mas preferiu submetê-lo a uma profundidade reflexiva muito rara.

O último movimento, apaixonado e sombrio, morre em acordes suaves, ao contrário dos finais bombásticos de praxe. Malheiro assegurou sua arquitetura complexa: foi o momento mais apaixonado que a sinfonia revelava ali. Maravilhoso, o murmúrio de insetos zumbindo com o qual os violinos envolvem madeiras e metais no fim.

Faltou assinalar a primeira obra do concerto: a Abertura brasileira, de Edino Krieger, partitura de brilhante orquestração, datada de 1955, marcada pela formação norte-americana do compositor, junto a Aaron Copland. Foi oferecida de maneira cristalina, como água saindo de uma fonte preguiçosa e tranquila.

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O maestro Luiz Fernando Malheiro [Divulgação]
O maestro Luiz Fernando Malheiro [Divulgação]

 

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