O Theatro Municipal de Hugo Possolo

por Nelson Rubens Kunze 16/07/2019

Em entrevista à Revista CONCERTO, novo diretor artístico afirma que vai abrir o teatro para novas linguagens, “sem abrir mão do que é fundamental na casa, que é a ópera, que são os concertos e o Balé da Cidade”

Teatro de prosa, circo, música independente, poesia, dança, artes visuais, mímica – o Theatro Municipal do novo diretor artística Hugo Possolo vai se abrir para novas linguagens. “Eu acredito, que a identidade do Municipal ganha uma força e um impacto muito grande com a interseção de novas linguagens”, afirma. E segue: “Claro que a expectativa de ser a maior casa de ópera do país necessita de uma curadoria que coloque ela em contato não só com o público e o conhecedor da ópera, mas consiga abranger uma capacidade maior de atrair novas plateias”. Possolo, contudo, não crê que a mistura de novas linguagens seja um impedimento para a produção de óperas, concertos e balés, e diz: “eu acho que esses têm uma prioridade”.

Com um sorriso no rosto e uma simpatia cativante, Hugo Possolo recebeu a Revista CONCERTO no Theatro Municipal na quinta-feira passada (11 de julho) para falar de suas ideias e anunciar a programação do segundo semestre. Possolo assumiu a direção artística do Theatro Municipal em março passado, por indicação do secretário de cultura Alê Youssef (Youssef foi nomeado secretário no início do ano, após os desentendimentos entre o então secretário André Sturm e a Organização Social Instituto Odeon, que administra o teatro).

A indicação de Hugo Possolo, de 57 anos, causou surpresa no meio musical. Apesar de ter tido uma vivência na área (“sou também um amante da ópera, tive a oportunidade na minha carreira de dirigir cinco óperas”), Possolo construiu sua trajetória profissional nas artes circenses e no teatro de comédia. O ator tem uma premiada trajetória como palhaço e é fundador do grupo Parlapatões. 

Na entrevista, Possolo diz que o teatro, além de abrigar uma mistura de linguagens, deve promover apresentações de seus corpos estáveis em outros espaços da cidade: “Um bom exemplo do que pretendemos é o da Virada Cultural. Ali levamos corpos artísticos da qualidade da Orquestra Sinfônica Municipal e do Coro Lírico para o Páteo do Colégio, e abrimos o teatro para outras linguagens. [...] Ou seja, esse pequeno retrato da Virada Cultural é um pouco o espírito do que a gente gostaria de trazer, uma visão curatorial do que é o teatro”.

Possolo também falou da Praça das Artes, da Central Técnica de Produção e da relação do Theatro Municipal com outros produtores líricos nacionais. 

Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Hugo Possolo concedeu à Revista CONCERTO.

Hugo Possolo [Divulgação / Francio Holanda]
Hugo Possolo [Divulgação / Francio Holanda]

Revista CONCERTO: Qual é a sua ideia geral para o Theatro Municipal de São Paulo?
Hugo Possolo: Em relação à cidade, a gente sabe que o Municipal tem já historicamente uma questão da qualidade, da excelência da música, é a principal casa de ópera do país. Então a gente tem uma noção e uma consciência muito grande do valor, do significado da importância disso, para além dos concertos. Aqui você tem os corpos artísticos como o Coral Lírico, o Coral Paulistano, o Quarteto, o Balé da Cidade de São Paulo. Isso coloca uma pujança de opções muito grande, e temos de lidar com elas e saber colocar isso para a cidade. 
Tem uma visão equivocada de achar que o Theatro Municipal não é popular. Ele é, ele é bastante acessado pela população, ele tem preços acessíveis. Nesse sentido, a gente procurou pensar coisas que pudessem abrir mais o teatro para a cidade, para além da ideia de popularização. Um bom exemplo do que pretendemos é o da Virada Cultural. Ali levamos corpos artísticos da qualidade da Orquestra Sinfônica Municipal e do Coro Lírico para o Páteo do Colégio, e abrimos o teatro para outras linguagens, como teatro e música independente, ou um cruzamento de linguagens, como o Branco Mello e a Miranda Kassin cantarem junto com a Orquestra Experimental de Repertório (OER). Ou seja, esse pequeno retrato da Virada Cultural é um pouco o espírito do que a gente gostaria de trazer, uma visão curatorial do que é o teatro.

[Novas linguagens]
Muita gente entrou pela primeira vez no TM para assistir a teatro [de prosa]. É o meu caso. Eu vim aqui naquele mês teatral, que acontecia quando era a folga da orquestra. Isso depois foi extinto. Na frente do teatro está escrito “música” e “drama”, que a soma é a ópera. Mas o drama enquanto teatro está um pouco abandonado. Então tomamos a segunda-feira, que é um dia que não concorre com outras programações, para que a população possa ver peças a que não tenha assistido em algum outro teatro, para que tenha realmente esse diálogo que a gente quer com a cidade.
Outro projeto muito caro e importante para a gente é o dos Novos Modernistas. São espetáculos que fazem um cruzamento de linguagens, misturando música, dança, poesia, artes visuais, enfim, várias linguagens misturadas, que também trabalham a questão da representatividade e o sentido de pertencimento. 

[Praça das Artes]
As ações não são somente para o palco do Municipal, são ações que são pensadas e previstas também para a Praça das Artes. A Praça é uma importante oficina de ensaio do Balé da Cidade, no futuro das orquestras – hoje a OER já ensaia lá –, do quarteto, todos ensaiam lá. Tem a Sala do Conservatório que historicamente é muito importante, e tem ainda a outra área que será terminada, que é duas vezes o tamanho do palco do Municipal. Então, a gente caminha para, lá na frente, aliviar o grande trânsito do palco do Theatro Municipal. 
O que a gente tem tentado fazer é gerenciar isso bem, para que possa ser mais fluente. Enfim, poder realizar todas as outras ideias sem abrir mão do que é fundamental na casa, que é a ópera, que são os concertos e o Balé da Cidade. Eu acho que esses têm uma prioridade. 

[Programação]
A gente está pensando em uma agenda, inclusive para o ano que vem, bastante contundente. Essa programação do segundo semestre foi feita com um esforço enorme da equipe, eu contei muito com a equipe que já estava aqui, no caso o João Malatian teve uma colaboração fundamental, uma pessoa que conhece bem a história da casa, todos os maestros, maestro Záccaro, maestro Roberto Minczuk, foram muito colaborativos. Ismael Ivo também, que soube ouvir e fazer transições das ideias, colaborou muito mesmo, efetivamente. A gente correu para fechar a programação, mas a gente está muito seguro de saber que ela tem uma razão de ser muito forte. 
E para o ano que vem, já um projeto estrutural, de pensar que nós teremos não somente quatro óperas, mas cinco óperas no ano. 

[Viabilizar todas as linguagens]
Acho que tem uma coisa fundamental para dizer. Eu sempre brinquei, brinquei até publicamente, “é um palhaço na direção do Municipal”. Mas sou também um amante da ópera, tive a oportunidade na minha carreira de dirigir cinco óperas, aqui, no Sesc, no Claudio Santoro, no São Pedro. Então, eu tive oportunidade de conviver com um universo que eu admiro e gosto, e onde eu procuro estar aprendendo sempre. Eu sei que assustou muita gente o fato de eu vir de uma linguagem de circo, que tem uma característica popular. Porque eu acho que ópera também é popular. Mas tem uma visão sobre o circo que às vezes é meio preconceituosa... que desloca. E talvez houve a ideia – como a gente falou muito da diversidade cultural ser abrigada aqui dentro –, de que isso seria em detrimento da ópera. Então, ao contrário, a gente tem que buscar um espaço de funcionamento melhor do palco, para que a gente possa viabilizar todas as linguagens. Inclusive, direcionando os recursos para isso. A gente tem que equilibrar. 
Isso é assim um pouco do conceito geral.

Você fala em viabilizar todas as linguagens, mas a gente tem aqui um teatro de ópera, com fosso, corpos estáveis, corais, orquestras. E a gente nunca conseguiu de fato fazer o teatro de ópera realmente funcionar. Funcionar significa, em uma visão talvez utópica, ter 10 encenações por ano...
Um Metropolitan brasileiro, que você possa ter um repertório constante, um Colón...

Não, não tem que ser um Metropolitan, a gente nem tem que pensar tão longe. Mas tem que ter pelo menos uma programação consistente, com uma curadoria legal e que atravesse o ano, que a gente sempre tenha óperas. Eu não sei se isso é possível de fazer se você abrir mão de fazer um teatro essencialmente voltado à ópera. Porque, na verdade, a minha defesa é essa: eu acho que o teatro tem que ser um teatro voltado essencialmente à ópera. Ele foi construído para isso, é um palco que serve para isso e deveria ser aproveitado para isso, até pelo investimento público para a manutenção desses corpos estáveis. Acho que isso não vai necessariamente contra o que você falou, é possível incorporar linguagens, porque ópera são todas as linguagens juntas. E dá para você abrir o teatro para uma discussão de gênero, e você fazer o teatro permeável para a comunidade. Aliás, é desejável, a gente tem lutado muito por isso nos últimos anos – dar um significado novo para a ópera, para que ela seja coisa de nossos dias. Então, resumindo: olhando lá na frente, quando a gente puder fazer as 10 óperas por temporada, você acha que teria espaço para as outras linguagens do jeito que você pretende?
Olha, do ponto de vista da ópera, para ter um revezamento de óperas, talvez o espaço cênico tenha sido construído com estrutura suficiente. Mas nós não temos a lateralidade, por exemplo, que tem o Colón, na qual você retira um cenário e já tem o outro cenário do lado. Aqui você não tem a mesma potência espacial, e nunca teremos – teríamos de construir outra casa de ópera –, como tem o Metropolitan, que é projetado exatamente para esse grande revezamento de grandes cenários. 
Mas, eu acredito também, que a identidade do Municipal ela ganha uma força e um impacto muito grande com a interseção de novas linguagens, por isso os Novos Modernistas. Claro que a expectativa de ser a maior casa de ópera do país necessita de uma curadoria que coloque ela em contato não só com o público e o conhecedor da ópera, mas consiga abranger uma capacidade maior de atrair novas plateias. 

Você citou o Colón e o Metropolitan com os recursos cênicos que eles têm. A gente tem aqui a Central Técnica de Produção, na zona leste, que, não sei exatamente como está hoje em dia, mas que sempre acaba meio largada lá. Sempre falta dinheiro, não só para manter a Central, mas para fazer ela se tornar um espaço que participe da engrenagem de produção do teatro. Reanimar essa Central de Produção seria fundamental para você ter um teatro de ópera com um funcionamento constante, com os grandes títulos sendo apresentados. Como está a Central Técnica de Produção? 
É muito bom ouvir a pergunta quando você já sabe o que está fazendo. Então, a primeira coisa com que me preocupei, foi querer saber da situação da Central Técnica – também do Centro de Documentações, por que ele está aqui na Praça das Artes –, e a gente já começou com uma articulação direta para a organização daquele acervo. O acervo de figurinos já é há muito tempo bem organizado, pode ganhar ainda melhor qualidade, mas ele é muito acessível, fácil de localizar, faz empréstimos. A cenografia ocupa uma área muito grande e já estava muito sobrecarregada. Então a gente já está começando a trabalhar – aliás, acabamos de fazer uma visita técnica – para dar direcionamento a uma reorganização daquele espaço no sentido de ver o que está realmente estruturado. É tudo patrimônio público, então precisa ser separado, ver o que tem funcionalidade. O que não tiver, a gente vai solicitar que o patrimônio seja desfeito, como deve ser feito corretamente pela lei. E o que está utilizável será limpo, reacomodado e registrado para novas utilizações. 

Você diz que o Municipal de São Paulo é “a maior casa de ópera do país” – não é bem assim, hoje, aqui na cidade, o Theatro São Pedro está fazendo mais do que o Theatro Municipal. E a gente tem tido produções importantes no Festival Amazonas de Ópera, a gente tem produções no Palácio das Artes em Belo Horizonte, tem no Rio de Janeiro. Mas a pergunta é a seguinte: para a dinamização da produção lírica nacional, existe uma discussão corrente, há muitos anos, de tentar fazer coproduções, de tentar fazer intercâmbios de montagens entre os diversos teatros e festivais. Houve um encontro agora em Manaus, para o qual o Theatro Municipal foi convidado – mas não participou –, em que um dos principais problemas abordados foi justamente o da dificuldade de transporte para viabilizar os intercâmbios. Eu queria saber, qual é o seu interesse em se articular com esses outros teatros para tentar construir uma rede de produção de títulos líricos, que pudessem ser intercambiados? 
Primeiro, eu acho que toda a área da cultura, e a área artística especificamente, tem sofrido muitos ataques nos últimos tempos. Então, é certo, na minha mentalidade, e na mentalidade do secretário Alê Youssef, de que nós temos de colaborar muito uns com os outros, porque as realidades regionais estão muito diferentes e muito desequilibradas. Felizmente aqui a gente conta com a força do prefeito Bruno Covas, que reconhece a importância e o significado da arte e da cultura, e tem apostado nesse setor como um setor vital para a identidade de cada um dos seus cidadãos. Então, eu acho que esse é um aspecto muito importante para o restante todo. 
Quanto à questão das óperas, quando a gente diz “a maior casa de ópera do país”, obviamente a gente sabe que não é a quantidade de realizações, mas sim, existe uma relação da quantidade de apresentações, o volume que ela tem, o tamanho que ela tem – por que a gente pode montar óperas de características mais pocket, cujo custo seja mais barato. Eu acho que, por ser essa casa a principal da cidade, a gente tem por obrigação fazer as produções em um nível de excelência, em termos de acabamento, em termos de cenografia, figurinos, iluminação, até para responder à quantidade de pessoas contratadas dentro da casa, que trabalham para isso, que são os corpos artísticos. Então, acho que isso tem que ser ponderado também. 

Foi só uma provocação...
Sim, tudo bem. Mas isso também testa o meu conhecimento, é bom.
De outro lado, a gente já entrou em conversa com Belo Horizonte e com o Rio de Janeiro. Eu acho que há uma dificuldade, também regional, que está nessa questão do custo. O que eu propus para os dois, é que a gente possa fazer trocas que não envolvam recursos. Eu acho que o que a gente vai conseguir fazer é “eu te empresto uma, você me empresta outra”. Eu acho que essa é uma perspectiva muito boa. Quando eu falo em fazer cinco óperas no ano que vem, é pensando assim: eu posso ter os mesmos recursos deste ano, mas se eu fizer isso [troca de montagens] eu consigo fazer cinco. E os diálogos têm sido muito bons, porque todos estão com essa necessidade. 
Sinto não poder ter ido a Manaus, mas acredito que o convite não chegou porque eu estava acabando de entrar. Se chegou, peço desculpas, pode ter havido um desencontro aí. Uma coisa é certa: a gente estará agora no encontro da Ópera Latinoamérica (OLA). Eu não irei – eu não vou porque vou ser pai logo –, irá o Luiz Coradazzi, que é o meu assessor. A OLA já compreendeu, já dialogamos, e estamos estudando a possibilidade de, não sei se no ano que vem, mas talvez para daqui a dois anos, trazer a OLA para cá, porque acho importante que São Paulo receba a OLA. 

Sempre volto a este assunto, pois acho que é um ponto crucial para a gente pensar o Theatro Municipal no longo prazo, que é a questão do modelo de gestão. Alguns anos atrás foi feita uma alteração na legislação, foi criada a fundação pública, que faz um contrato de gestão com uma Organização Social (OS). É um modelo inviável, na minha opinião e na de muitos que pensam sobre essa questão, pois embaralha competências e responsabilidades. Até o secretário anterior falou publicamente em extinguir a fundação. Você também reconhece esse problema no modelo, de confusão de competências e de responsabilidades, do que cabe à OS, do que cabe à Fundação, do que cabe à Secretaria? Você acha que seria desejável reformar esse modelo? 
Bom, primeiro, concordo que não é o melhor modelo, isso me parece bastante claro. Ele está funcionando exatamente por que felizmente o secretário Alê Youssef conseguiu equilibrar as relações. Mas, estruturalmente, felizmente eu posso dizer que essa não será a minha missão, e sim a missão da recém-nomeada secretária adjunta, Regina Pacheco. Ela agora tem uma missão – ela é uma pessoa com uma formação incrível na área administrativa, vem da FGV – e ela vem com a missão de fazer um estudo desse modelo e propor novas soluções. Isso foi anunciado pelo prefeito Bruno Covas e a gente ficou muito animado, porque realmente existem muitos questionamentos. Eu tenho certeza de que a Regina Pacheco foi uma escolha perfeita, porque ela tem um conhecimento muito bom sobre esse universo da organização social, da relação dessas organizações com o Estado.

Obrigado pela entrevista.

 

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