Um festival, uma academia e muito mais do que isso

por Jorge Coli 16/06/2023

Sábado passado, dia 17 de junho, se encerrou o 1º Festival Watari de Música de Câmara, em Barão Geraldo, Campinas. Poderia ser chamado também de Academia, pois se constituiu numa concentração formadora de jovens músicos.

No entanto, as palavras Festival ou Academia estão aquém do que ocorreu. Talvez fosse melhor chamar de Festa – festa de música de altíssimo nível nutrida pelo espírito que a melhor humanidade pode manifestar.

Faz cinco anos que Tohoru Watari, que é médico e homem de negócios, depois de ter construído uma sala de música em sua chácara, no meio de um jardim encantador, com um belo piano de cauda que ele trouxe do Japão, decidiu dar ali recitais de música de câmara. A sala, de excelente acústica, é muito bonita, e expõe cerâmicas de Silmara Maria Watari, esposa de Tohoru: belos objetos feitos e queimados ali mesmo, na chácara. Mauricy Martin, professor de piano na Unicamp, é o curador dessas séries que são anuais.

Cristian Budu é um convidado constante e já deu ali vários recitais memoráveis. No ano passado, ele e Tohoru idearam esse Festival que mencionei acima. Cristian Budu assumiu a direção artística. 

Convidou o violoncelista André Micheletti, o violista Iberê Carvalho e a violinista sérvia Jovana Trifunovic, todos eles ao mesmo tempo excelentes intérpretes e pedagogos: Micheletti é professor na USP de Ribeirão Preto, Iberê Carvalho, de João Pessoa, é membro e fundador do Quarteto Antos, de piano e cordas, Trifunovic incorpora a Filarmônica de Minas Gerais e o Quarteto Bessler. Tohoru Watari ofereceu aos bolsistas, gratuitamente, o ensino recebido ali, a hospedagem e a diária. Fecharam-se, concentrados num retiro de uma semana.

Levados pela personalidade ao mesmo tempo tão poderosa e tão generosa de Cristian Budu, todos investiram um tal entusiasmo no estudo das obras – de manhã, à tarde e à noite – que às vezes varavam até o sol raiar no dia seguinte, tomados pelo prazer intenso de chegar à compreensão mais profunda e à interpretação mais significativa das partituras.

Pude assistir alguns desses ensaios. O caráter meticuloso das leituras nunca era mecânico, mas ia sempre no sentido de descobrir razões e intenções inteligentes nas obras. O foco, sempre vibrante e enérgico, buscava descobertas. Nenhuma atitude rotineira ou blasé, mesmo entre os professores, que participavam muitas vezes das interpretações, fundindo-se com os alunos, em trocas e diálogos que surgiam como naturais.

Foi uma lição de música e de humanismo. Na grande mesa comum em que todos jantavam havia uma atmosfera de fraternidade. Vindos de partes muito distantes do Brasil, sem se conhecerem antes, teceram-se ali amizades fortes.

Todos os alunos – nem todos com o mesmo nível técnico, mas com o mesmo amor entusiasta pela música – terminaram se integrando sem nenhum desequilíbrio nas obras apresentadas ao público nos dias 10 e 11.

Essas apresentações não foram nada banais. O piano foi levado para o meio da sala, fazendo com que o público envolvesse os intérpretes. Cristian Budu luta sempre, e com toda razão do mundo, para que a música dita clássica deixe de se confinar num círculo cheio de cerimônias e casacas, que ela deixe de ser ouvida com poses engomadas, e que, ao contrário, seja absorvida na sinceridade do prazer sem luxos, a não ser os da beleza sonora.

O pianista abria discretamente as apresentações, sem dizer nada, quando o público ainda se ajeitava ou conversava, tomando todos pela beleza de seu piano, no primeiro dia com Arabesque, de Schumann, no segundo, com Prelúdios, de Chopin. Depois, vinham obras dadas na íntegra ou, quando mais longas, isoladas em movimentos: assim, por exemplo, o Quinteto de Schumann teve seus dois primeiros movimentos no dia 10, e os dois últimos no dia 11. Essa maneira dessacralizadora da integridade da obra, que era comum durante o século XIX, leva a uma audição muito atenta, a um mergulho profundo em cada momento.

A vibração era tamanha que as pessoas explodiam em aplausos e gritos sinceros e sentidos. Depois de um movimento de Brahms, particularmente eletrizante, Cristian Budu disse: “Falam que música clássica é bom para dormir...” Ali, ninguém dormia, mesmo durante as obras mais serenas e meditativas, porque tudo estava cheio de vida.

Os jovens bolsistas eram, todos, muito talentosos. Seria injusto aqui não deixar o nome dessa garotada, que serão os brilhantes intérpretes do futuro. Aqui vai: 

Piano: Evangelista Júnior, Isabella Nunes Lima de Carvalho e Mattheus Versiani
Viola: Adriel Esdras de Padua, Jennifer Cardoso Souza Santos e Tarcis Ostiano Santos
Violino: Júlia Fernandes Gomes de Almeida, Felipe Bueno Rodrigues Baldo e Victor Gonzalez Bigai
Violoncelo: Gabriel Moraes Barbosa, Martin Goiano da Silva e Rômulo Freire

Sala Watari, em Barão Geraldo, Campinas [Divulgação]
Sala Watari, em Barão Geraldo, Campinas [Divulgação]

 

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