Reinbert de Leeuw  (1938-2020): o contemporâneo como alimento

por João Marcos Coelho 19/02/2020

A morte do maestro, pianista, arranjador e compositor holandês Reinbert de Leeuw na última sexta-feira, dia 14 de fevereiro, aos 81 anos, deixa um vácuo difícil de ser preenchido na arena das músicas contemporâneas. De talento, disciplina e inteligência exemplares, De Leeuw tinha um olhar contemporâneo mesmo quando tocava ou regia músicas do passado. E isso quer dizer muito: ele não se limitava a interpretações convencionais. Reinventava, de modo surpreendente, criações tão conhecidas como os lieder de Schubert e Schumann,.

Tornei-me seguidor fervoroso de suas aventuras musicais desde que, em 2005, assisti ao DVD “Im wunderschönen Monat Mai”, algo como “No adorável mês de maio”, que leva o subtítulo “Três vezes sete canções segundo Schumann e Schubert”, do selo alemão Winter & Winter, hoje disponível em pedacinhos no Youtube. De Leeuw construiu uma trama entrelaçada de lieder de Schumann e Schubert, pinçando 21 das melodias mais famosas destes dois gênios da canção romântica par voz e piano. 

Mais: escreveu arranjos para o seu Schoenberg Ensemble. E convocou ninguém menos do que a celebrada atriz Barbara Sukova, responsável por álbuns dos mais aclamados filmes de Fassbinder, como Berlin Alexanderplatz, de 1980, Lola, de 1981, e Europa, de Lars von Trier, de 1990.  Pois Sukowa faz um delicioso “sprechgesang”, o canto falado ou fala cantada de Schoenberg, encarnando um personagem cênico que passeia pelos músicos enquanto “diz” os extraordinários versos de Goethe, Heine e Eichendorff.  Os mesmos intérpretes também realizaram, em 1991, uma leitura espetacular do Pierrot lunaire de Schoenberg.

 

Os obituários acentuaram que De Leeuw gravou uma série de álbuns para a Nonesuch norte-americana com obras do enfant terrible holandês Louis Andriessen, assim como Teihillim do minimalista norte-americano Steve Reich.  Ele é muito mais do que isso.

Tornou-se conhecido primeiro por suas interpretações da música para piano de Erik Satie na década de 1970, mas também gravou Bartók, Stravinsky, Shostakovich, Ustvolskaya e Gorecki. Na sequência, ganhou prestígio crescente como regente de música contemporânea. Além de Andriessen e Reich, gravou George Antheil, Claude Vivier, Charles Ives, Elliott Carter, Messiaen, Ligeti. Interesse especial merecem os três CDs para a ECM com a integral da obra para coro e ensemble do húngaro György Kurtág. 

 

Atuou como compositor basicamente nos anos 70 e 80. Além de obras sinfônicas e música de câmara, compôs, em parceria com Andriessen, a ópera Reconstructie, baseada na vida do Che Guevara.

Uma de suas derradeiras gravações, lançada em agosto de 2019 pelo selo francês Alpha, é Vienna fin de siècle, em que retorna ao piano para acompanhar outra Barbara – desta vez a Hannigan, 48 anos, uma das mais interessantes e consistentes intérpretes de repertórios contemporâneos. Juntos, eles percorrem um punhado de canções de grandes compositores que plantaram as bases da música moderna na virada dos séculos 19/20, como Hugo Wolf, Schoenberg, Webern, Zemlinsky, Aban Berg e Alma Mahler.

 

Reinbert de Leeuw deixa um extraordinário legado – e acima de tudo a lição de que o desrespeito à obra, quando exercido com imensa autocrítica e rigor artístico, vale muito a pena.

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O maestro e pianista Reinbert de Leeuw [Divulgação]
O maestro e pianista Reinbert de Leeuw [Divulgação]

 

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