Vinte dias para meio bilhão 

por Nelson Rubens Kunze 25/09/2020

Entre outros problemas, chamamento de nova OS para o Theatro Municipal de São Paulo peca por atropelo; Prefeitura despreza oportunidade de enfrentar modelo falido

Poder, amor, ambição, traição, cobiça, ódio, inveja... tem de tudo na série dramática que é a gestão do Theatro Municipal de São Paulo. E a nova temporada promete! Pois nada foi alterado na central de produção de crises que é o modelo administrativo que rege o teatro, um monstrengo com duas cabeças, a Fundação Theatro Municipal (FTM) e a Organização Social contratada, que deve obediência à Secretaria Municipal de Cultura. 

É lamentável que a Prefeitura de São Paulo insista nessa estrutura de gestão implantada no Theatro Municipal em 2011, cuja inviabilidade já foi demonstrada seguidas vezes. O problema, evidentemente, não é o do modelo de Organizações Sociais (OSs), que é a maior conquista da gestão cultural pública de nossa geração como demonstra o sucesso de instituições como a Fundação Osesp, a Pinacoteca do Estado, a Filarmônica de Minas Gerais ou o Neojiba da Bahia. O problema do Theatro Municipal é o modelo bipolar esdrúxulo inventado, que confunde competências e responsabilidades. 

Porém, como se tudo tivesse funcionado bem nos últimos 7 anos, a Prefeitura manteve intocado o modelo, uma fundação pública, a Fundação Theatro Municipal de São Paulo (FTM), com toda a sua estrutura burocrática, que se usa da OS, uma entidade privada sem fins lucrativos, como mero balcão de intermediação de contratos e prestação de serviços. É uma pena. Ainda mais considerando que praticamente todos os dirigentes que passaram pelo teatro ou pela Secretaria nos últimos anos – inclusive o secretário atual Hugo Possolo e a secretária adjunta Regina Silvia Pacheco – já se manifestaram publicamente reconhecendo os problemas do modelo. Não. A Prefeitura e sua Secretaria preferem alimentar o mais eficiente gerador de crises que é este modelo enviesado, que, pela ingerência do Estado na OS, mantém o teatro em estado litigioso há mais de 5 anos e protagonizou a maior fraude cultural da qual se tem notícia na cidade (esquema Herência/Naked).

Assim, a Secretaria Municipal de Cultura por meio da Fundação Theatro Municipal de São Paulo lançou no último dia 10 de setembro o edital para chamamento de uma nova Organização Social para a gestão do Theatro Municipal. Como no atual, o novo contrato contemplará o centenário prédio da Praça Ramos Azevedo e as novas instalações da Praça das Artes, bem como as suas programações, além da Central Técnica de Produção, do Centro de Documentação e dos corpos estáveis Orquestra Sinfônica Municipal, Coral Lírico, Coral Paulistano, o Quarteto de Cordas e o Balé da Cidade de São Paulo. A nova entidade deverá assumir o contrato de trabalho dos 273 empregados do teatro (artistas e equipe técnica), garantindo estabilidade pelo prazo de 90 dias. O contrato prevê a transferência de R$ 563.500.000,00 durante os próximos 5 anos. O prazo para entrega das propostas das Organizações Sociais interessadas vai até o próximo dia 1º de outubro. 

Creio que, em relação ao edital anterior, a única notícia boa é que se retirou um item de ingerência explícita, que dava à Secretaria o direito de indicar o diretor artístico e o regente titular do teatro. De resto, são os mesmos problemas. Nem mesmo a intenção expressa no início do ano, de que o contrato fosse assinado com uma OS credenciada – entidade juridicamente mais robusta em governança e controle –, se manteve. Conforme o item 14.7 do edital, a nova entidade terá 120 dias para “submeter solicitação de qualificação como organização social junto à Prefeitura de São Paulo”. É arriscado. Afinal, trata-se de uma complexa parceria público-privada que prevê o repasse de mais de meio bilhão de reais em cinco anos, o maior contrato de gestão na área da cultura em nosso país. 

Entre muitos pontos sensíveis do novo edital, quero chamar a atenção aos seguintes:

Primeiro, e mais grave, o prazo. Se o detalhamento do edital reconhece a complexidade do processo, como compreender que uma proposta de meio bilhão de reais possa ser preparada em um prazo de 20 dias? Há no chamamento exigências como a de “comprovação de até oito acordos de interlocução ou parcerias [...] já firmados com instituições artísticas reconhecidas internacionalmente [...] nas áreas de atuação do Theatro Municipal”. Que entidade poderá, nesse prazo exíguo, preparar todas as documentações e atender às exigências que o chamamento faz? Por que esse atropelo?

A segunda questão é quanto às diretrizes de programação estabelecidas no termo de referência. O item que fala da “diversificação da programação, incluindo outras linguagens artísticas” (item 1.1.d) contém a ideia equivocada de que a ópera em si não possa ser a finalidade do teatro. A ópera por si só já é uma arte de múltiplas linguagens. Essa diretriz aponta para a utilização do teatro como palco multiuso, o que é um despropósito: é desperdício de recursos públicos promover outros espetáculos de fora em um teatro que mantém uma estrutura completa, e cara!, para fazer óperas – orquestra, coros, balé.

Finalmente, compreendo que uma comissão para avaliação de um edital de gestão não tenha de ter necessariamente competência nas questões artísticas. Mas, considerando diversas passagens que tratam de questões como “excelência e vanguarda na criação e difusão das produções em ópera, música e dança” (item 1.1.e do Termo de referência), seria desejável que tivesse. A mesma competência artística seria necessária para avaliar outra questão controversa (que novamente aponta a intromissão da FTM em questões que dizem respeito à OS), que é a de reservar no plano de trabalho espaço para projetos “definidos em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura” como o dos Novos Modernistas: diversidade de linguagens. 

O Theatro Municipal de São Paulo é o mais importante equipamento cultural da cidade. Seria altamente desejável que a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Cultura finalmente decidissem enfrentar o problema de sua estrutura administrativa para dotar a cidade de um teatro de ópera moderno, articulado na comunidade, gerador de cultura. Um teatro que tivesse competência funcional e potência artística para verdadeiramente refletir, por meio da ópera, da música clássica e da dança, as questões de nossa contemporaneidade.

[Clique aqui para ler "Instituto Baccarelli pede impugnação de edital do Theatro Municipal de São Paulo"]

[Leia abaixo os comentários dos leitores.]

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Theatro Municipal de São Paulo [divulgação / Fabiana Stig]
Theatro Municipal de São Paulo [divulgação / Fabiana Stig]

 

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Comentários

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Considerar a gestão cultural pública por OSs, ainda mais se tratando de São Paulo, já é um tanto problemático. Citar a Osesp como exemplo é pior ainda! O recurso público da cultura deve ser de interesse público, não de meia dúzia que pode pagar 200 reais num ingresso. A crítica direcionada à prefeitura pela permanência da FTM demonstra completa ignorância desse processo. Visto que não foi por falta de interesse da prefeitura que a FTM não foi dissolvida, mas pela luta dos trabalhadores do complexo, que ocuparam várias vezes a câmara municipal para evitar esse desmonte. O Theatro Municipal tem problemas sim, mas é muitas vezes mais acessível que a Osesp, seus programas além ópera, concerto e balé promovem o diálogo cultural, têm muito o que melhorar dando MAIS espaço, não menos. A arte popular, aquela produzida e consumida pela maioria dos pagadores de impostos, também tem direito à estrutura e ao icônico prédio da praça Ramos, sem nenhum prejuízo para as tradicionais produções da casa.

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Obrigado pelo comentário, Helen. Nada contra as programações paralelas em torno da ópera, como no caso de “Prism”. Ao contrário, na minha opinião é isso mesmo que temos de fazer, e foi uma das melhores programações do ano. Mas em relação à OS do teatro, tenho de discordar. O que existe no TM é uma anomalia, que ofende o modelo de OS e dá margem a improbidades como as que já aconteceram. O estado, que deveria estar fiscalizando, toma decisões que cabem à OS e decide sobre as contratações da OS. Como é possível defender isso? 

Puxa, o que eu discordo aqui, além da questão administrativa, cuja discussão não pode se limitar a simples opiniões pessoais, desconectadas do dia-a-dia da casa, é supor que tudo o que acontece na casa, produzido or seus corpos artísticos, seja "programações paralelas". O Theatro Municipal, como Teatro exclusivamente de ópera, que produzia "programações paralelas", deixou de existir na Semana de Arte Moderna em 1922. Desde então, o Theatro, concebido para servir às elites, assumiu um perfil PLURAL. O argumento reiterado, de forma insistente, por todos aqueles que decidem emitir opiniões sobre o Theatro, defendendo esse perfil vocacional uno, se esquece deste marco histórico que vestiu o Theatro Municipal com outra veste: a veste da PLURALIDADE ARTÍSTICA. E essa pluralidade artística deu vida a outros corpos artísticos que pulsam vivamente dentro da casa, muitas vezes relegados a um papel coadjuvante. Isto nos prejudica, inclusive, diante da opinião pública, que permanece na ilusão de que lá é o teatro de ópera e todo o resto é paralelo. E que, por isso, o orçamento destinado à casa é absurdo e descabido. Neste momento de transição, esperava que uma revista destinada, também, ao público que frequenta o Theatro, se colocasse de forma a revelar essa pluralidade e dar a todas as estruturas artísticas da casa valor e importância equivalentes. Quando o público souber que o Theatro Municipal NÃO É SOMENTE UM TEATRO DE ÓPERA QUE REALIZA PRODUÇÕES PARALELAS, mas uma casa múltipla, que realiza programação extremamente diversificada e acessível, que oferece opção para todos os gostos e bolsos, que é um patrimônio do município e que não é somente o núcleo de deleite da elite, os artistas que lá estão, lutando para serem valorizados, reconhecidos e respeitados, terão menos dificuldades para fazer valer sua importância no cenário cultural de São Paulo. Poderíamos começar corrigindo esse equivoco de argumentação? Mesmo que o equívoco tenha acontecido no comentário, e não no corpo da matéria, revela a forma equivocada como o Theatro Municipal de São Paulo tem sido visto, tratado e diminuído em importância no cenário cultural Paulistano. Mesmo que de forma involuntária. Estamos caminhando para 1 século de vestimenta plural e ainda é preciso falar disso? Sugiro a reflexão. Obrigada. Tânia Viana, Cantora do Coral Paulistano do Theatro Municipal de São Paulo.

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Olá Tânia, obrigado pela mensagem. Acho que me expressei mal. Claro que os corais e os outros corpos estáveis do teatro têm de ser valorizados. E eu também acho que o teatro deve promover uma programação plural, como você diz, mas na minha opinião voltada aos corpos artísticos, Balé da Cidade, Coral Paulistano, OER... O que eu acho, contudo, é que o Municipal não deve programar espetáculos de fora, teatro de prosa, música popular, noites literárias etc. Primeiro, porque há outros espaços na cidade muito mais apropriados para essas “linguagens”. Segundo, porque como vamos justificar o salário pago a centenas de artistas dos corpos estáveis que então deixam de trabalhar??
Já na questão administrativa, não são só opiniões pessoais, há estudos e indicadores técnicos, há pesquisa e muita reflexão. O modelo do Municipal NÃO é um modelo de OS, é um arranjo mal-ajambrado, em que o ente público olha para as entidades da sociedade civil de modo autoritário, arrogante e desconfiado. Nosso mundo não aceita mais as velhas e pesadas hierarquias autoritárias. Na minha opinião, o teatro tem que olhar para os lados, ser colaborativo e articulado na cidade. Criar pertencimento, E tem que ser aberto. Quem pensa que ópera é só coisa de elite, pó de arroz, peruca e século 19 é que está precisando se informar!
 

Olá, novamente!
Só pra esclarecer: em tudo o que se fala no meio político-administrativo existe a porção de opinião embasada e a porção de opinião pessoal. E vivemos num momento triste da política do país em que as opiniões, gostos e preferências pessoais se sobrepõem ao interesse público, à lógica administrativa ilibada e aos estudos realmente conclusivos pelo bom/mal caminho a ser seguido. E no caso das OSs na administração pública não é diferente. E como em tudo, pareceres pró/contra as PPPs e à gestão compartilhada carregam no seu bojo as opiniões, preferências e convicções de quem os elabora. E o processo de filtragem é lento. Historicamente, essa filtragem leva décadas sem se concluir. E, acredito, ainda não se concluiu a ponto de demonstrar, sem sombra de dúvidas, que o modelo compartilhado é melhor do que o público exclusivo e vice-versa. Ainda estamos em busca de um modelo mais eficiente e essa busca ultrapassa os limites do municipio, do estado, do país... Do que tenho lido e ouvido, as opiniões, mesmo que embasadas, tendem a defender a preferência de quem as defende, se não, não haveria tantas vertentes, sugestões e divergências. Vc consegue claramente identificar qual é a opinião de quem fala observando o lado que defende, porque não existe essa separação cirúrgica entre estudo e opinião. Nem pelo lado dos pró, nem pelo lado dos contra. E nisso o interesse público se esvai porque, por ser COLETIVO, não existe quem o defenda com isenção. Não estava me referindo à sua opinião, especificamente. Estava me referindo à relação genérica que se coloca entre poderes público e privado na gestão compartilhada. Sobre os salários dos artistas, que se julga necessário justificar, é bom lembrar que nosso trabalho não acontece no palco. Ali é onde ele finda, para recomeçar nos bastidores, cuja visibilidade não existe até para preservar a fantasia que o espetáculo exige e encerra. Nosso trabalho maior se dá na construção daquilo que é levado ao palco. E aí é que o tempo demandado se faz maior. O que é necessário não é justificar o salário dos artistas. E mudar a visão de mundo! É ensinar à população, onde incluo também a classe política que questiona verbas e salários, o público que nos assiste e os formadores de opinião que, vez por outra lançam esse argumento sobre a mesa; que esse questionamento é falacioso, porque a arte não é "dom", "bênção", "hobby", "diversão" ou "deleite" para o artista. É um trabalho exigente, diuturno, perene e invisível. Assim se justifica nosso trabalho. Um profissional qualquer, quando termina seu turno, tira sua vestimenta profissional e vai pra casa à paisana. Um cantor não! Seu instrumento permanece em uso, e em desgaste, mesmo nas horas de descanso. O mesmo acontece com os corpos de bailarinos, mãos de violinistas, lábios de trompetistas e etc...
Ninguém pensa nisso na hora de utilizar salários como argumento, infelizmente... Nem pensam também que a manutenção de todos esses instrumentos é onerosa e, por vezes, o instrumento se perde de forma definitiva e irremediável, quando não bem mantido por insuficiência financeira de seu tutor.
E sobre as perucas empoadas do seculo XIX, permanecem vivas, ativas e operantes, sempre à espreita, aguardando o momento de se manifestar. E, via de regra, como perucas que são, seguem desinformadas...
Nosso dever é tocar nesses pontos com a dignidade que o assunto exige e com a humildade de assumir que estamos tentando fazer o melhor possível nessa construção de caminho que ainda não sabemos qual será. Que desejamos que seja o melhor. Que ainda não temos as respostas e que as convicções afirmativas podem nos levar pro buraco. Qual o melhor caminho? Alguém sabe? Duvido. Por isso digo que o trabalho é coletivo e isso faz dele um trabalho ainda mais difícil, que demanda mais tempo e serenidade. Mas, existe uma certeza triste e pouco inteligente: o tempo urge!
Resta-nos apenas entender por quê.

Entendo a demanda por diversidade. Sou aficionado de teatro tanto quanto de ópera. Ele pode, sim ter sido concebido como um teatro para receber óperas e peças, mas isso foi há mais de 100 anos. Desde então, centenas de outros teatros foram construídos e destruídos, e as demandas técnicas e financeiras de cada tipo de espetáculo mudaram. Antes de mais nada, hoje o Teatro Municipal mantém uma orquestra sinfônica, um coral, um corpo de balé e um quarteto de cordas, sem contar o Coral Paulistano e a Orquestra Experimental, que também são vinculadas à Prefeitura, para não falar de uma enorme equipe técnica e administrativa, na sua folha de pagamento. Para que isso se justifique, o teatro tem de ter programação com esses corpos estáveis o tempo todo. Uma montagem de ópera exige uma utilização intensa do palco, das salas de ensaio, da reserva técnica e da equipe técnica por um período relativamente extenso, um mês, em média. O mesmo dá para dizer sobre balé. O Balé do Municipal é um grupo eclético, que faz dança contemporânea com mais frequência que balé clássico. Eles também deveriam estar disponíveis para participar das montagens de óperas que têm cenas de balé. O fato é que, se houver uma temporada de, digamos 8 óperas e 5 espetáculos de balé por ano, e se se jogar na equação uns 10 concertos sinfônicos e parte da temporada da OER, o palco está plenamente utilizado. Veja que casa maiores, como capitais da Europa ou Nova York, fazem muito mais que isso, mais que o dobro, por terem uma reserva técnica muito mais robusta que a nossa. Sobra um pouco de espaço para se fazer alguma coisa mais ambiciosa, como um concerto de orquestra convidada, um show relativamente simples, recitais de celebridades, alugar o teatro para eventos, premiações etc. de segunda a quarta, etc. Instituições como o Mozarteum e a Cultura Artística alugam o Teatro e a Sala Paulo para suas temporadas, inclusive porque há poucas salas de concerto desse tamanho na cidade (francamente somente o Teatro Alfa talvez possa ser considerado, e ainda assim é questionável como sala de concerto). Uma peça de teatro clássico já esticaria os recursos a um ponto extremo; ter uma temporada de teatro seria praticamente impossível. Mas não vejo impedimento em fazer, como um espetáculo realmente especial, digamos uma vez por ano, um Sonho de uma Noite de Verão ou um Peer Gynt, ou uma obra nova de autor brasileiro, com a música incidental tocada por uma orquestra no fosso. Afinal o teatro tem um fosso porque foi projetado para isso!
Ora, seria possível falar em se criar uma companhia municipal de teatro e dividir a casa. Isso significaria reduzir a temporada de ópera, balé e concertos ainda mais! Financeiramente me parece uma loucura, afinal há uma orquestra e coro, quase 200 pessoas, sem contar os outros corpos estáveis, em folha de pagamento. Se deveríamos ter uma companhia oficial de tatro paga pela Prefeitura? Há quem diga que sim. Se daria para incorporá-la à estrutura do Teatro Municipal? Suspeito que, dadas as condições técnicas hoje, não. O Municipal é pequeno e há outros teatros para isso, e, se não há, deveriam existir. Exemplo: Londres tem o South Bank Centre, com 1 teatro sinfônico (Royal Festival Hall, que abriga 4 orquestras), 2 teatros de câmara e 1 teatro de teatro (o National Theatre); não há teatro no Festival Hall, nem concertos no National Theatre. algo similar acontece no Barbican, e o Covent Garden consegue ter uma programação muito grande a variada porque tem, na prática dois teatros (um deles do tamanho do nosso São Pedro) e um palco que permite uma matinê de balé e uma noite de ópera no mesmo dia.
Se os corpos do Teatro Municipal deveriam tocar em outros lugares na cidade? A meu ver, somente em ocasiões muito especiais, porque nenhum outro lugar oferece as mesmas condições técnicas; não se exige que um cirurgião opere numa cozinha fora de uma situação emergencial, por que um músico qualificado deveria ser obrigado a tocar num colégio ou num campo de futebol? E, principalmente, porque o contribuinte que vem de outros bairros tem de ter o direito de utilizar o teatro público pago por seus impostos. ele é situado no coração da cidade justamente por isso - todos têm acesso direto ao Anhangabaú, vindo de qualquer parte da cidade. Não seria o caso de se criar sistematicamente iniciativas para diversificar o público?
Se o Teatro poderia promover diversidade? Sim, dentro de limites que não prejudiquem as atividades dos corpos estáveis pagos pelo contribuinte, e que não dêem espaço para benefício monetário de artistas comerciais. Isso precisa de curadoria, de gente que frequenta e trabalha com ópera, balé, concertos, shows e teatro dentro e fora do país há décadas. Quem não atende a essa exigência mínima pode dar até palpites, mas não pode tomar decisões.
Há sempre a pressão para se misturar música sinfônica com outros gêneros. O Brasil é pioneiro nisso, não há nenhuma novidade nisso. Existe uma orquestra chamada Jazz Sinfônica, mantida pelo Estado, que é talvez a única no mundo paga com recursos públicos e faz colaborações com astros da MPB instrumental e vocal. Isso já existe; a meu ver, tirando situações especiais, o Teatro Municipal não deveria invadir a área outra orquestra que já faz isso muito melhor e tem recursos próprios e uma temporada no Memorial da América Latina e em vários outros espaços pela cidade e estado. Eu sempre bato numa tecla: algum artista comercial paga pela manutenção do Municipal? Paga o salário das orquestras? Canta de graça? Convida e paga o salário de algum músico da orquestra e do coral? Existe algum astro da MPB que ofereça, em dinheiro ou em trabalho direto, algum auxílio a algum projeto social de ensino musical a crianças em situação de carência? Não tenho nada contra ela, mas quantas vezes, digamos, uma Ivete Sangalo já cantou Villa-Lobos ou dividiu a ribalta com algum artista clássico? Eles têm a totalidade dos meios de comunicação focados neles, nós não; a experiência de 40 anos vendo esse tipo de coisa nos mostra que nunca, mas nunca mesmo, essas coisas se traduziram em aumento de visibilidade e interesse para a música e dança clássica. Por que a gente deveria convidar algum cantor pop para cantar com uma orquestra de ópera, a não ser no encerramento de uma Olimpíada ou algo assim? Isso é função da Jazz Sinfônica, na minha opinião. E, ainda assim, a OER e a OSESP sistematicamente produzem um repertório incrível em colaboração com artistas do jazz e MPB.
Por fim, me parece curioso que não se use mais frequentemente outros espaços do Municipal, como o Salão Nobre, ou mesmo a escadaria, para teatro, poesia, instalações musicais, até mesmo exibições de arte - talvez até inspirados na Semana de 22. Essa exploração não deveria ser uma exigência do Edital?

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Acabo de ler a notícia do fechamento da Orquestra Filarmônica de Goiás e agora, leio essa triste situação em que se encontra o Theatro Municipal da cidade mais populosa e rica do Brasil.
A incapacidade de nossos gestores municipais é enorme. Sai prefeito e entra prefeito, mas não conseguem encontrar uma saída decente e que permita uma ocupação razoável do Theatro Municipal e de outros espaços maiores ou menores, disponíveis no município.
Leio aqui comentários lúcidos e consistentes de dois profissionais extremamente competentes e experientes (Nelson Kunze e Fábio Zanon) e endosso tudo que disseram.
Torço para que prevaleça a vergonha na cara e mudem esse modelo esdrúxulo de gestão atual, que não deu certo em nenhum momento desde que foi implantado e já que estamos em tempos de eleição, uma mobilização popular poderia causar algum efeito.
Em tempo: não sei se entendi direito, mas em um dos comentários acima, houve críticas ao modelo adotado pela OSESP, pois os ingressos são vendidos muito caros, enquanto que os do Municipal são vendidos a preços mais razoáveis, o que não tem nada a ver como modelo de gestão adotado. Além disso, frequento ambas as salas de forma compulsiva e posso afirmar que realmente existem alguns lugares mais caros na Sala SP, mas existem muitos lugares vendidos a preços tão baixos quanto os setores mais baratos do Municipal, além de várias séries de apresentações totalmente gratuitas. Não há como criticar o modelo de gestão adotado na OSESP, a não ser pela falta natural de simpatia de alguns dirigentes.

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