A vida de Georg Friedrich Händel

por Leonardo Martinelli 01/11/2012

Por muito tempo, o papel que o músico ocupava na sociedade foi, de certa forma, equivalente ao papel conferido à própria música. Se por séculos os músicos foram tratados menos como artistas e mais como criadagem pelas elites sociais, isso se deu, em parte, por um reflexo do sentido meramente utilitário conferido à música como um todo.

No século XVIII, esta situação começou a se transformar, e coube ao compositor Georg Friedrich Händel dar o primeiro passo em uma mudança que faria dele um Artista com “a” maiúsculo, por sua vez acompanhando uma valorização sem precedentes da música na história da cultura como um todo.

Naquele tempo, uma das maiores bênçãos para uma família de músicos era o nascimento de um prodígio, principalmente pelo grande potencial financeiro que uma criança com esses dons agregaria à família. Filho de um barbeiro-cirurgião, porém, o jovem Händel inicialmente encontrou muita resistência do pai para seguir seus estudos musicais em Halle an der Saale, pequena cidade no centro-leste da Alemanha, onde nasceu. Tendo conquistado uma boa posição na sociedade local, o patriarca tinha planos ambiciosos para o filho, que deveria seguir carreira em direito.

Existem muitas lendas a respeito de como Händel teria conseguido se dedicar à música frente à tamanha resistência paterna. A hipótese de que ele tenha se instruído de forma autodidata não é tão descabida, tendo em vista que a família possuía uma espineta (instrumento de teclado) e que o pai passava muitos dias longe de casa, a trabalho.

Foi aos 7 anos de idade, acompanhando o pai em uma visita ao Duque de Weissenfels, que a sorte sorriu a Georg. Na ocasião, fez uma apresentação de surpresa ao órgão da capela do duque. O pai foi orientado a investir na educação musical do filho, que então começou a estudar com o organista da igreja local, passando finalmente a ter uma instrução formal em teoria, além de se aperfeiçoar em cravo, órgão, violino e oboé.

Com a formação em Halle praticamente encerrada, Händel iniciou, logo após a morte do pai, seus estudos em direito (Freud explica...). Ao mesmo tempo, o jovem dava os primeiros passos em sua profissionalização musical como organista.

Em 1703, dispondo já de uma incipiente reputação, Händel abandonou a cidade e a dedicação ao direito para se fixar em Hamburgo, importante centro cultural da época, sobrevivendo de composições esporádicas e como músico da orquestra da ópera local, da qual logo virou diretor. Em 1705, compôs sua primeira ópera, Almira, em italiano, tal como era o costume em quase toda Europa. Apesar dessas pequenas conquistas, Hamburgo não se mostrou um lugar apropriado – nem materialmente nem musicalmente – para Händel que, em 1707, deixou a cidade rumo à fonte primordial de toda música barroca: a Itália.

A estada de Händel na Itália foi relativamente curta, porém decisiva em sua carreira e formação musical. Já em janeiro de 1707 ele se encontrava em Roma, onde logo se inseriu no meio musical que vivia uma situação inusitada. Desde o jubileu do ano 1700, o Papa proibira a apresentação de óperas, o que não impediu que elas continuassem a ser praticadas de forma velada, por meio de oratórios sacros, que, apesar de seus enredos religiosos, eram compostos utilizando toda exuberância da linguagem operística. 

Na Cidade Eterna, Händel compôs duas grandes peças sacras (La Resurrezione e Il Trionfo del Tempo e del Disinganno), as quais comprovam sua rápida assimilação das peculiaridades da escritura italiana. Até 1710 o compositor estrearia obras em Nápoles e em Veneza (inclusive a ópera Agrippina), com grande sucesso, antes de voltar para Alemanha, em Hannover, atraído pelo cargo de mestre de capela da corte do Eleitor Georg Ludwig. Mas assim que assumiu o cargo, no final de 1710, Händel pediu licença para viajar a Londres, onde lhe eram apresentadas oportunidades de trabalho financeiramente muito boas. 

Apesar de toda a pompa, da circunstância e dos fortes elos com a aristocracia que ainda hoje se fazem sensíveis na terra da rainha, no início do século XVIII Londres era um centro urbano sofisticado – que em breve seria o berço da Revolução Industrial – e já abrigava uma classe média relativamente abastada, ansiosa para despender seu dinheiro com delícias antes exclusivas àqueles em cujas veias corre um sangue azul.

Händel aproveitou bem sua primeira estada em Londres, estreando Rinaldo e valendo-se do enorme sucesso que a ópera italiana então gozava na sociedade inglesa. Em 1712, Händel conseguiu nova permissão para voltar a Londres. Porém, entusiasmado com a recepção de sua música, acabou não retornando a Hannover quando a licença expirou. A situação ficou embaraçosa quando, em 1714, seu patrão alemão Georg Ludwig foi alçado à condição de Rei Jorge I da Inglaterra, na época bastante descontente com a rebeldia do músico.

Mas, tal como um Orfeu do Tâmisa, foi por meio da música que Händel conseguiu apaziguar a fúria do rei, que, encantado por sua beleza e pelo sucesso de seu criado (e, claro, contando com o auxílio de admiradores de ambos os lados), acabou por perdoar o compositor e incentivá-lo a desenvolver carreira em solo inglês.

Apesar do apoio da realeza, a vida de Händel em Londres foi marcada não apenas por seu talento musical, mas também por seu empreendedorismo. Além de compor, o artista passou a atuar como empresário, tendo participado da criação da Royal Academy of Music (então entidade particular) e da realização de diversas temporadas líricas e de concertos. Atento aos novos tempos, Händel praticamente reinventou a linguagem do oratório, voltando-o para a classe média inglesa, no qual, além de ter as partes cantadas em um inglês acessível para o povo, assimila alguns elementos da prática musical anglicana, em especial, a escrita coral. É isso que podemos ouvir em obras-primas do gênero, como O messias, Judas Maccabaeus e Jephtha, entre outras – criações que ajudaram a fixar seu nome no panteão das grandes personalidades da Inglaterra e de toda história da música.

Georg Friedrich Händel por Balthasar Denner [Reprodução]
Georg Friedrich Händel por Balthasar Denner [Reprodução]

Linha do tempo

1685
Nasce em Halle an der Saale, em 23 de fevereiro

1692
Primeiras lições formais de música

1698
Viagem a Berlim, onde entra em contato com a música de Steffani e Corelli

1703
Muda-se para Hamburgo, onde passa a tocar na orquestra da ópera

1705
Estreia sua primeira ópera, Arminda

1707
Chega a Roma, onde passa a escrever peças sacras

1709
Estreia em Veneza a ópera Agrippina

1710
Primeira viagem a Londres, onde estreia a ópera Rinaldo

1717
Estreia Water Music, pivô de sua conciliação com o rei Jorge I

1719
Participa da fundação da Royal Academy of Music

1735
Funda a ópera do Covent Garden

1741
Estreia em Dublin, na Irlanda, o oratório O Messias

1749
Estreia de Music for the Royal Fireworks

1750
Compõe sua última ópera, Alceste

1759
Morre em Londres, em 14 de abril