Belém recebe estreia de ópera de Gilberto Gil, Aldo Brizzi e Paulo Coelho baseada em Gonçalves Dias

por Luciana Medeiros 08/11/2025

 O poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias, publicado em 1851 na coletânea Últimos cantos, serviu de base para a ópera homônima que faz sua estreia no dia 10 de novembro, em Belém, no âmbito da COP-30 e encerrando o XXIV Festival de Ópera do Theatro da Paz, com mais duas récitas nos dias 11 e 12. Criação de Gilberto Gil e Aldo Brizzi com libreto de Paulo Coelho, a ópera – que tem como subtítulo Aquele que deve morrer reúne solistas e coro do Núcleo de Ópera da Bahia, o Coro Carlos Gomes de Belém, a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, além da participação de indígenas do Povo Huni kui, do Acre.

Meu canto de morte, / Guerreiros, ouvi: / Sou filho das selvas, / Nas selvas  cresci; / Guerreiros, descendo / Da tribo tupi

Segunda colaboração de Gil com Brizzi, que dirige o Núcleo de Óperas da Bahia, nasceu de uma proposta de Paulo Coelho que alterna a ação na época descrita no poema – marcada pelo fim do Romantismo – e a modernidade. No original, Gonçalves Dias narra a história de um guerreiro Tupi capturado pelos inimigos Timbira que reverte sua sentença de morte ao se mostrar corajoso, digno e ao mesmo tempo emocionado frente ao sacrifício. O libreto pula para a modernidade ao mostrar Jaci, a jovem Timbira encantada por I-Juca no tempo ancestral, como a jornalista que entrevista um “I-Juca” contemporâneo em terras devastadas pelas queimadas.

Andei longes terras / Lidei cruas guerras, / Vaguei pelas serras /  Dos vis Aimoréis; / Vi lutas de bravos, / Vi fortes - escravos! / De estranhos ignavos / Calcados aos pés.

Antes da ópera propriamente dita, Gilberto Gil surge trazendo uma canção inédita a respeito das queimadas, em vídeo gravado na Amazônia, ao lado de Paulo Coelho, que encarna Gonçalves Dias no papel de Espírito da Terra.

“A estética musical dessa ópera segue o que Gil e eu criamos em Amor azul [ópera de Gil e Brizzi que estreou na Sala São Paulo em agosto de 2024]”, conta Aldo Brizzi. “É uma fusão total de elementos das culturas afro, afro-brasileira e indígenas, com a música clássica e a MPB. Isso se combina com a força dramatúrgica da história de uma forma muito comovente e natural.”

Com 75 minutos de duração, a peça lírica não é, segundo Brizzi, “uma ópera contemporânea intelectual”. “É, sim, uma ópera popular, no verdadeiro sentido da ópera em sua história, que sempre foi a cara do próprio tempo. E o Núcleo se insere na tradição da novidade: criativos, modernos, com grande respeito pela profundidade das raízes e ao mesmo tempo criada para que todos possam desfrutar dela e serem felizes.”

Um velho Timbira, coberto de glória, / Guardou a memória / Do moço guerreiro, do velho Tupi! /  E à noite, nas tabas, se alguém duvidava / Do que ele contava, / Dizia prudente: - "Meninos, eu vi! / "Eu vi o brioso no largo terreiro / Cantar prisioneiro / Seu canto de morte, que nunca esqueci: / Valente, como era, chorou sem ter pejo; / Parece que o vejo, / Que o tenho nest’hora diante de mi.

O projeto, lembram os criadores, enfatiza o diálogo entre arte e consciência ambiental. “Primeiro, pela relevância do tema e da cultura brasileira”, continua o compositor. “Segundo, pelas práticas sustentáveis como na confecção dos figurinos, por Bu’ú Kennedy, xamã e artista plástico Tukano do povo Ye’pá Mahsã, da região de São Gabriel da Cachoeira (AM), que usa  materiais naturais e símbolos ancestrais."

A regência da orquestra paraense é do próprio Brizzi e, no papel-título, está o tenor Jean William. Nos outros papeis principais, vêm Graça Reis, Irma Ferreira, Milla Franco e Josehr Santos. “Estar no palco do Theatro da Paz é sempre um grade prazer. Em 2022, fizemos a Ópera dos Terreiros, criação minha com Jorge Portugal, e agora voltamos a essa casa de acústica espetacular e público incrível”, finaliza Aldo Brizzi.

A renda da estreia será revertida em apoio ao povo indígena da Vila Dom Bosco, no Alto Rio Tiquié, distrito de Pari Cachoeira, região do Alto Rio Negro.

O maestro Aldo Brizzi e o escritor Paulo Coelho, autor do libreto [Divulgação/No Name Agency]
O maestro Aldo Brizzi e o escritor Paulo Coelho, autor do libreto [Divulgação/No Name Agency]

 

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