Três aventuras musicais brasileiras de 2021 que não dá para esquecer

por João Marcos Coelho 27/12/2021

Não quero que passem em branco alguns lançamentos de discos de 2021 que merecem ser ouvidos, pela originalidade, ousadia e qualidade musical que apresentam.

O primeiro deles é uma surpresa. A violinista brasileira Mariama – assim mesmo, com “m” – Alcântara lançou pelo selo italiano Da Vinci um álbum com os 26 prelúdios característicos e concertantes, do advogado e violinista Flausino Vale (1894-1954), mineiro de Barbacena e adorador da música caipira do chamado Brasil profundo.

Há relativamente pouco tempo o violinista Cláudio Cruz gravou de modo magnífico estes deliciosos prelúdios caipiras. Mariama não tem só o nome diferente, que o pai lhe deu num tributo a um poema de Dom Hélder Câmara, o religioso mais perseguido pela ditadura de 1964. É também ótima instrumentista. E, além disso, encomendou uma peça para violino solo a André Mehmari. Este rapidamente escreveu uma partita em sete movimentos. Mehmari é um omnívero instrumental, ou seja, adora conhecer e tocar novos instrumentos. Seu Estúdio Monteverdi já abriga praticamente uma orquestra sinfônica.

Veja como ele compôs esta partita para violino solo. “Tenho sempre à mão o instrumento para o qual estou compondo e no caso do violino tenho razoável domínio técnico. Tenho um bom violino e gosto demais, apesar de me identificar mais com a viola para meu deleite pessoal. Neste caso da Partita, compus diretamente para o violino, sem intermédio do teclado que pode me levar para outro gestual. Muitas vezes o piano serve como porta de entrada para a composição de uma obra grande. É o laboratório onde depuro ideias centrais da obra, estrutura formal e linhas gerais. Mas, no final das contas, toda a minha experiência em todos os instrumentos é que vale, muito mais do que o passeio pelo teclado, que se torna mero veículo para a expedição sonora que ocorre na minha cabeça e no meu ouvido mais interno.”

Por tudo isso e pela qualidade de interpretação de Mariama Alcântara, é um álbum imperdível.

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Mehmari também participa de outro lançamento precioso, de Mário Marques, que toca na Orquestra Sinfônica de Campinas e dedica um álbum à música brasileira contemporânea para o seu instrumento, o clarone. Nos últimos anos, Marques vem encomendando peças a compositores experimentados, como Edmundo Villani-Cortes, Ernst Mahle e Sérgio Vasconcelos Correia. Entre os convidados, está o excelente violonista 7 cordas Gian Correia. Uma das peças que mais gostei foi a do grande chorão carioca Maurício Carrilho, Moacirsantosiana 23, onde, aliás, Marques toca com Gian Correia.

Também gostei demais dos Três momentos para clarone e piano, de Mehmari. Aqui Marques é acompanhado ao piano por Carlos Wiik, 

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Fecho estas indicações de gravações de 2021 que podem mas não devem passar desapercebidas com Lieder ohne worte, ou canções sem palavras. O violoncelo de Raiff Dantas Barreto “canta” como nunca no talvez mais célebre dos ciclos de “lieder” românticos, o Dichterliebe, ou o amor do poeta, de Robert Schumann. O violoncelo, sabemos, já foi muitas vezes qualificado como o instrumento que mais se aproxima, em termos expressivos, da voz humana.

Pois Raiff propõe um daqueles típicos passeios românticos que soltam nossas emoções e prendem nossos ouvidos. Ao lado do ótimo pianista Flávio Augusto, Raiff vai além do Dichterliebe. Revisita outras canções atemporais, como a ode à música de Franz Schubert, An die Musik, a canção saideira das noitadas que a posteridade apelidou de “schubertíades”.

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A violinista Mariama Alcântara [Divulgação]
A violinista Mariama Alcântara [Divulgação]

 

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