Técnica e paixão: Guido Sant’Anna faz apresentação magnífica no Theatro Municipal de São Paulo

Concerto da Sinfônica Municipal, que comemorou o 469º aniversário de São Paulo, foi conduzido pelo maestro Roberto Minczuk
 
O concerto no Theatro Municipal que celebrou o aniversário da cidade de São Paulo teve uma grande atração: Guido Sant’Anna. Ele é o prodígio do violino que arrebatou, no ano passado, o primeiro prêmio no concurso Fritz Kreisler, em Viena.

Roberto Minczuk regeu a Orquestra Sinfônica Municipal. Propôs, na primeira parte, um programa simpático e bonito: danças brasileiras retomadas por grandes compositores: Lorenzo Fernández, Alexandre Levy, Edino Krieger – com obra inspirada e colorida, a Passacaglia para o novo milênio –, Alberto Nepomuceno e Francisco Mignone. Talvez a acentuação de fortes e fortíssimos pela regência tenha desequilibrado um pouco as massas sonoras, mas eletrizou o público que respondeu com grande entusiasmo.

Depois, Guido Sant’Anna se apresentou no concerto de Tchaikovsky, que ele enfrentou pela primeira vez. Hoje, com 17 anos, se tornou uma verdadeira sensação. Sua juventude, sua energia e entusiasmo no palco, com seu impressionante e já conhecido topete que se agita e salta numa vida própria, parecendo reger ele também a orquestra, atraem imediatamente a simpatia.

Mas é seu gênio que importa. Ele é apoiado por sua extraordinária técnica de virtuoso e animado pela evidente paixão que a música lhe inspira. Imediatamente a beleza e a emoção é compartilhada com o público. Guido Sant’Anna tem um sentido único na liberdade do fraseado, que cria sentidos, expectativas, toda uma narração, e o resultado é que se tem a impressão de descobrir, como nova, essa composição tão conhecida. No final do primeiro movimento, como acontece às vezes – coisa sem importância –, pessoas menos a par das etiquetas vigentes no mundo da música erudita, aplaudem. Só que dessa vez foi uma enxurrada, uma tempestade de palmas, sinceras, entusiastas, verdadeiras, que arrastou todo mundo, e ela foi tão prolongada, que o maestro Minczuk teve de pegar o microfone para informar que haveria mais dois movimentos a serem tocados.

Então, a melodia simples do segundo movimento, a canzonetta, fluiu suavemente como um murmúrio. Havia uma intimidade, uma profundidade na voz do violino, como se cada nota fosse uma oração sussurrada: a música transformava-se numa experiência espiritual. Nenhuma afetação, nenhum efeito fácil, e era tão evidente, ali, o cuidado com cada detalhe, sem insistir ou sublinhar, nuançando infinitamente.

A explosão do terceiro movimento, com sua rítmica “cigana”, foi tratado pelo violinista com elegância sem renunciar ao sentido narrativo ou ceder a qualquer vulgaridade. 

Como bis, o Capricho nº 24 de Paganini, com suas escalas e arpejos tremendamente rápidos, seus pizzicati para mão esquerda, suas vertiginosas exigências técnicas, vencidas com a mais perfeita naturalidade e transfiguradas pelo mais elevado sentido musical.

Tarde magnífica, portanto, essa do 469º aniversário de São Paulo. Talvez, apenas, uma observação prática. A prefeitura organiza outras manifestações musicais nesse dia. No final do concerto, começou a vazar o som para dentro da sala do Municipal, vindo de uma apresentação no Anhangabaú. Uma coordenação de horários mais cuidada teria evitado isso; bastaria, por exemplo, começar o concerto uma hora antes.

Ah, sim: quem sabe um dia os responsáveis pelo teatro tomarão consciência do que significa a beleza daquela sala e retirarão as monstruosas caixas de som dependuradas no meio. Nada justifica a presença daquelas excrecências ali; o Municipal não foi pensado para espetáculos que exigem isso. É um tesouro arquitetônico, mas infelizmente seu encanto é manchado por esses enormes e vergonhosos penduricalhos. É hora dos responsáveis tomarem atitude e restaurar a dignidade do teatro: ele é uma obra de arte e não um espaço para se acomodar de qualquer jeito modernizações tecnológicas.

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