Apresentação do recém-formado Quarteto Orlando Fagnani deixou no público a expectativa de acompanhar o futuro promissor desse jovem quarteto
O coração se alegra quando se depara com jovens músicos de alto nível desabrochando para a vida profissional. Em particular quando esses jovens se consagram à música de câmara, cuja dificuldade pede entrosamento e modéstia diante do estrelismo ambicionado por uma carreira de virtuose solista.
Uma grande alegria dessa natureza foi vivida na tarde de domingo, dia 8, na sala Kay Brown, da Pró Música de Campinas. Foi quando o recém-formado Quarteto Orlando Fagnani, que começou suas atividades em março do ano passado, realizou sua quarta apresentação até o momento. Lá estavam os quatro, na beleza de uma límpida juventude: o mais novo tem 19 anos, o mais velho, 24. Ruan Menezes, o caçula, é o primeiro violino; Paulo Arroyo, o segundo violino; Gabriel Carlin, a viola; Davi Gabriel, o violoncelo.
O programa começou com o Quarteto nº 1, de Villa-Lobos. É um quarteto número 1, ma non troppo, não de forma estrita, pois Villa-Lobos, em matéria de datas e de numeração, era impreciso, elástico, vagando ao sabor de uma autobiografia cheia de invenções e fantasias. A forma definitiva desse quarteto foi estruturada no ano de 1946, quando o compositor retomou, de memória, uma Suite graciosa de 1915. É fato que as maravilhosas sonoridades dessa composição remetem aos devaneios debussystas e ravelianos presentes nas composições do jovem Villa-Lobos. Tem afinidades com o Quarteto de Ravel, peça que eu bem gostaria de ouvir na interpretação dos Fagnani. Porque, em Villa-Lobos, eles demonstraram o equilíbrio e o polimento sonoro que seriam esperados em quartetos de cordas com muito mais tempo de experiência. As frases foram delicadamente encaixadas, sensivelmente compartilhadas, em perfeito equilíbrio e cumplicidade. Os quatro se fundiam num evidente sentimento comum de profunda musicalidade.
Seguiu-se Cantiga, Baião e Frevo, do excelente compositor Hércules Gomes, obra muito bem escrita, inspirada, que se volta para a música popular no sentido de reelaborá-la em modo complexo, exigindo virtuosidade segura: um momento de grande energia.
Para a seguinte composição, foi convidado o violonista Guilherme Arce, jovem também mas que, ao lado de seus colegas do quarteto, fazia figura de decano com seus 34 anos. Tocaram o terceiro movimento do Quinteto nº 4 para guitarra e cordas de Luigi Boccherini. Boccherini é muito maior do que apenas o autor do mais célebre minueto que se conhece; é um compositor de altíssima qualidade. Tendo passado grande parte de sua vida na Espanha, incorporou as cores da música ibérica em suas obras. O terceiro movimento do Quinteto nº 4, intitulado Fandango, de 1798, é um belo exemplo da absorção desse espírito espanhol.
O modo expressivo como o conjunto assumiu essa partitura foi possível graças à facilidade e flexibilidade que demonstraram. Um breve prelúdio grave e lento conduz ao fandango, pulsante, com a técnica do dedilhar “rasgueado”, familiar aos amantes do flamenco. Embora as castanholas, originalmente previstas pelo compositor e que acrescentam um sabor especial à peça, estivessem ausentes, o violoncelo tentou compensar com alguns efeitos de percussão. No entanto, tamanha era a energia e o prazer de tocar, em uma obra repleta de recursos fascinantes, que a ausência das castanholas quase não fez falta.
Seguiu-se o Diálogo para volão e cordas, de Ernst Mahle, obra datada de 1971, profunda, meditada, muito construída em sua alternância dos solos de violão e da participação dos arcos.
Sobre ela, Mahle disse uma vez, em entrevista: “Eu não cheguei a ouvir, mas me disseram que o concerto do Villa-Lobos sem amplificação é muito difícil. Tem outros que tem orquestra sinfônica completa que acaba com o violão. Então tive a ideia de fazer o Diálogo, onde o violão toca e depois a orquestra toca o tutti e de vez em quando acompanha o violão. Foi uma forma bastante ideal”.
O violão, com sua sonoridade delicada, sofre com a amplificação, que, mesmo discreta, altera seu timbre íntimo e frágil. Guilherme Arce preferiu o som amplificado ao natural em todas as suas interpretações, mesmo que o tenha feito com muita discrição. Talvez essa escolha não fosse necessária, considerando a excelente acústica e as dimensões moderadas da sala Kay Brown. A amplificação é uma facilidade para os intérpretes, pois diminui o cuidado com o equilíbrio dinâmico, mas neutraliza as nuances das sonoridades. Ressalto, entretanto, que esta é uma observação menor: apenas um pequeno bemol de somenos.
Guilherme Arce ofereceu um solo brilhante com os Recuerdos de la Alhambra, tão conhecidos, e o recital se encerrou com o movimento nº 1 do Quinteto para violão, fruto da profunda amizade entre o compositor Mario Castelnuovo-Tedesco e o lendário violonista Andrés Segovia. Como bis, foi retomado o Fandango de Boccherini.
Foi, assim, um recital de grande qualidade, de grande beleza, que deixou no público a expectativa de acompanhar o futuro promissor desse jovem quarteto, com votos de um longo e brilhante percurso.
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