Campos do Jordão, Salzburg e a economia da cultura

por Nelson Rubens Kunze 12/07/2017

Já escrevi antes sobre o equívoco dos cortes financeiros promovidos pelo governo do Estado de São Paulo na área da cultura, que têm afetado drasticamente o modelo das OSs [leia aqui]. Além de inócua no enfrentamento da crise, a política cultural do estado, emergencial e sempre reagindo de improviso, ainda produz absurdos como o da troca de gestão da Jazz Sinfônica ao custo declarado “na ordem de” R$ 2 milhões (visto assim, nem parece que esteja faltando dinheiro...).

Entre as exigências claramente expostas em editais da Secretaria da Cultura, está o que chamam de “diversificação da fonte de recursos”. Essas fontes, contudo [como também já escrevi por aqui], são em quase sua totalidade provenientes de verbas captadas pela Lei Rouanet, ou seja, igualmente recursos públicos.

Tomei conhecimento há pouco, em artigo de João Luiz Sampaio para o jornal O Estado de S. Paulo, que a Fundação Osesp, seguindo a lógica acima, está realizando o Festival de Inverno de Campos do Jordão sem nenhum aporte do governo do estado. Zero! No ano passado o governo ainda investiu R$ 1,7 milhão; mas este ano, finalmente, ZERO! Assim, todos os custos – algo em torno de R$ 3 milhões – serão cobertos por patrocínios “privados”, muito provavelmente via lei Rouanet. Portanto, sucesso absoluto do plano de “diversificação da fonte de recursos” descrito no parágrafo anterior. Fácil, não é? O governo estadual empurra a conta 100% para a esfera federal e lava as mãos.

Poderíamos considerar que estaria tudo bem se o festival crescesse e florescesse, mas não é bem assim. É só lembrar que, desde 2015, o Festival de Campos do Jordão acontece em ... São Paulo! Isso mesmo. Para reduzir despesas, toda a parte pedagógica do evento e a maior parte dos concertos são realizados por aqui mesmo, na Sala São Paulo. Festival de Inverno de Campos do Jordão de São Paulo. Deve haver aluno bolsista que nem conheceu a bonita cidade serrana...

Mas toco nesse assunto por conta de um interessante estudo ao qual tive acesso, e que demonstra que cultura, além de sua função precípua de “alimento da alma” (vamos colocar assim), de promoção de identidade, de educação e de ser memória do patrimônio da humanidade, é também importante fator de desenvolvimento econômico.

Trata-se de uma análise sobre o impacto econômico do Festival de Salzburg, na Áustria. O quase centenário evento é um dos maiores festivais de ópera, teatro e música clássica do mundo. Só para se ter uma ideia da dimensão do negócio, a edição de 2017 promoverá cerca de 200 performances (entre as quais 40 de óperas, 54 de teatro e 79 de concertos), com óperas como L’Orfeo ( Monteverdi), La clemenza de Tito (Mozart), Lady Macbeth do distrito de Mzensk (Shostakovich), Aida (Verdi) e Wozzeck (Alban Berg), entre outras.

O estudo foi realizado pela Secretaria da Fazenda de Salzburg e tem o seguinte sugestivo título: “Festival de Salzburg: motor para a economia, infusão de excelência para a região”. Realizado em 2016 tendo como base o festival de 2015, ele extrapola as análises habituais ao calcular, pela primeira vez, não apenas a rentabilidade “indireta” – que seriam a ampliação da oferta de vagas de trabalho e os tributos recolhidos em razão dos gastos do festival – mas também o “valor acrescentado”, que é o valor que sobra de positivo considerando a soma de todas as receitas e despesas do “ecossistema econômico” do evento.

A análise baseia-se em uma pesquisa realizada com 3.067 visitantes do festival de 2015. Cruzando a pesquisa com os dados gerais do festival, o estudo revela que os visitantes, por meio de suas despesas em hotéis, ingressos para os espetáculos, compras, atividades de lazer, transporte e outros gastos, geraram uma demanda econômica de 141 milhões de Euros. O impacto dessa demanda, por sua vez, criou o impressionante valor acrescentado bruto de 183 milhões de Euros apenas em Salzburg; considerando toda a Áustria, o valor alcançou 215 milhões de Euros (cerca de R$ 800 milhões), quase 4 vezes o orçamento total do evento (que foi de 59,6 milhões de Euros).

Esse valor acrescentado de 215 milhões de Euros resultou em um rendimento disponível de 122 milhões de Euros. Além disso, gerou 3.400 vagas de trabalho, incluídas as 400 do próprio festival (mas sem considerar os cerca de 3.500 artistas de coros e orquestras atuantes no evento). Por fim, o Festival de Salzburg e seu “valor acrescentado” levaram a um recolhimento em tributos e taxas, para o poder público e o sistema social, da ordem de 77 milhões de Euros.

Como aponta o estudo, o “ecossistema econômico Festival de Salzburg” também gera, ao lado dos números mensuráveis acima citados, efeitos “intangíveis” difíceis de quantificar. São eles, por exemplo, ganhos de imagem, demandas em áreas de formação e ampliação de competências.

Em sua conclusão, o estudo afirma: “Portanto, cada Euro investido retorna múltiplas vezes. O Festival de Salzburg é um impulsionador sustentável em vários sentidos: por meio de sua produção cultural, que é líder no mundo e que produz muitos ganhos de imagem; com seu efeito de rede econômica, que gera grande valor acrescentado em alto nível; e por meio do fomento de competências, o que alavanca qualidade de know-how em empresas e instituições. O Festival de Salzburg é uma infusão de excelência anual para a região de Salzburg”.

Já o governo do estado de São Paulo, que foi por onde iniciei este texto, faria bem em trocar a sua “economia em cultura” pela “economia da cultura” austríaca...

[Para os interessados no assunto, o Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais realiza no próximo dia 25 de julho, no Masp em São Paulo, o seminário “O valor da cultura”, que abordará a economia da cultura para além dos impactos econômicos. Informações e inscrições podem ser feitas na página do Fórum no Facebook.]

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