A Fundação Theatro Municipal e o futuro

por Nelson Rubens Kunze 04/03/2020

Defesa da Fundação Theatro Municipal feita pelo ex-secretário Carlos Augusto Calil e pelo vereador José Police Neto não se sustenta

Li com interesse e atenção o texto “O futuro do Theatro Municipal”, escrito pelo vereador José Police Neto e pelo ex-secretário da Cultura Carlos Augusto Calil e publicado hoje na Folha de S.Paulo. Sempre me surpreende que, após mais de 8 anos de existência da Fundação Theatro Municipal de São Paulo – que entre outros atritos nos legou o maior crime de desvio financeiro da história da cultura paulistana –, ainda haja quem acredite e defenda esse organismo.

O problema não está no instituto fundação pública em si, que certamente deverá ter sua utilidade para alguma outra instituição. O problema está no modelo inventado pelo então secretário Calil, em 2011, que junta Fundação Pública com Organização Social (OS). Ao contrário do que o texto agora publicado possa dar a entender, a ideia de contratação de uma Organização Social foi do próprio secretário. Na época da aprovação da lei, ele afirmou: “A OS [que celebrará o contrato com a nova Fundação] será uma prestadora de serviços para o Teatro, ou seja, ela executará um contrato de gestão no qual as atribuições serão dadas pelo Conselho do Teatro Municipal. Ela não excederá o Teatro, ela estará sob o controle dos órgãos de governança corporativa do Teatro Municipal. Portanto, não se trata de entregar o Teatro Municipal e seu patrimônio na mão de uma entidade privada, que teria toda a liberdade de geri-lo; ela terá a liberdade e o mandato que lhe forem atribuídos. Basicamente, será a contratação dos corpos artísticos e das produções artísticas” [clique aqui para ler]. Ou seja, Calil defendia a contratação de uma OS e, sem pejo, a sua submissão ao papel de mero balcão de assinatura de contratos.

Este modelo vigente, que junta Fundação Pública e Organização Social, é um total equívoco, inconsistente e inviável. É uma invenção esdrúxula que ofende o espírito da parceria público-privada, pois vê o ente privado com desconfiança e quer que ele apenas atue como balcão de intermediação de contratos e prestação de serviços.

Calil costuma defender a Fundação, aqui também, com o argumento de que não daria para dizer que a sua estrutura seria um problema, uma vez que ela nunca teria sido de fato implantada. A Fundação foi implantada sim, seus cargos um dia estiveram todos ocupados. Se ela nunca funcionou e sempre foi desorganizada, é porque, de tão enviesada, ela é simplesmente ingovernável.

O modelo bipolar Fundação Pública-Organização Social é pelo menos triplamente errado: primeiro, pois sobrepõe e confunde competências e responsabilidades impossibilitando qualquer tentativa de governança; segundo, pois inibe na parceria a especialização, a flexibilidade e a pró-atividade que são as vantagens da entidade privada; e terceiro, pois se usa da parceria para contornar os controles inerentes próprios do serviço público. Como é possível imaginar a Fundação, ou a secretaria que a comanda, exercendo a fiscalização e o controle da parceria – um papel fundamental que cabe a elas –, se são elas que decidem sobre contratações e sobre o dia a dia do teatro? Não funciona e dá margem a improbidades e desvios, como vimos alguns anos atrás.

É importante reforçar, que a necessária extinção da Fundação Theatro Municipal não pode interferir no desejável fortalecimento institucional das Escolas de Música e de Dança, da Praça das Artes e dos corpos artísticos do teatro. A lei que extingue a Fundação deverá conter, inequívoca e explicitamente, a obrigação de manutenção e promoção desses órgãos pelo poder público.

Também foi inusitado ler no texto de Calil e Police Neto o elogio ao Theatro São Pedro. Achei uma contradição, pois esse sim é um verdadeiro e consistente modelo de gestão por meio de Organização Social (e que sempre defendemos como solução). Ora, a intenção da Prefeitura atual é justamente extinguir a Fundação para implantar esse modelo, que, além do Theatro São Pedro, deu a São Paulo órgãos culturais modernos e de qualidade inédita, como a Osesp, a Pinacoteca do Estado, a Emesp ou a São Paulo Companhia de Dança.

Mas o texto, ao fazer essa referência positiva ao Theatro São Pedro, não deixa de ser uma esperança. Quiçá o ex-secretário Carlos Augusto Calil, e os poucos que ainda resistem à mudança, se convençam de que, para chegar ao Theatro São Pedro, é preciso, sim, virar a página, deixar a experiência desastrosa da Fundação Theatro Municipal no passado, e mirar para o futuro...

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Theatro Municipal de São Paulo [Revista CONCERTO]
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