Leonardo Martinelli cria ‘catedral sonora’ na Sala Minas Gerais

por Nelson Rubens Kunze 04/03/2023

Concerto para orquestra do compositor paulista foi ponto culminante na abertura da temporada da Filarmônica de Minas Gerais; programa, que teve regência de Fabio Mechetti, apresentou ainda Shostakovich e Rachmaninov, com solos da pianista Joyce Yang

Viva! A Orquestra Filarmônica de Minas Gerais está completando 15 anos. Para marcar o aniversário, a orquestra encomendou ao compositor paulista Leonardo Martinelli, de 44 anos, uma obra para grande orquestra. A encomenda foi estreada na abertura da nova temporada, na última quinta-feira, dia 2 de março, na Sala Minas Gerais, sob regência do diretor artístico e regente titular Fabio Mechetti. E a obra de Martinelli foi o ponto culminante de uma noite no todo muito especial. 

A apresentação começou com a Abertura festiva, de Dmitri Shostakovich (1906-1975), uma partitura breve, completada em 1954, em homenagem à Revolução de 1917. Sob a condução de Mechetti, com som brilhante, afinação precisa e elã interpretativo, a Filarmônica já deu provas aqui da excelente fase que está atravessando. 

Seguiu-se então a estreia do Concerto para orquestra de Martinelli. Com uma linguagem moderna, mas absolutamente acessível, a partitura é uma criativa viagem pelos sons de uma grande orquestra sinfônica, com harpa, piano, celesta, marimba, vibrafone, contrafagote, clarone e corne inglês, além de uma ampla paleta percussiva. Com cerca de 20 minutos de duração em um movimento único, a obra é estruturada em quatro partes que, conforme o próprio compositor, podem ser compreendidas como os quatro movimentos de uma sinfonia: uma primeira, em que a orquestra e seus naipes são apresentados; uma segunda, voltada à percussão à maneira de uma fanfarra; um adagio, dedicado sobretudo aos instrumentos de madeira; e uma parte final marcada por notas repetidas. E, de fato, pela caracterização de motivos rítmicos e tímbricos bem definidos, essa macroestrutura é perfeitamente perceptível. 

O Concerto para orquestra percorre um arco dramático que lhe confere organicidade e resulta em um todo muito consistente. Entre passagens de grande inspiração vale destacar o uso criativo dos timbres instrumentais. Se é possível falar de uma sucessão de “climas” sonoros, eles não são artifício para efeitos fáceis, mas sim parte constituinte do discurso musical. Na parte final da peça, em uma experiência espacial, Martinelli posiciona 3 percussionistas com sinos tubulares em diversos cantos da Sala Minas Gerais. E o que se ouviu – talvez em uma alusão às igrejas barrocas de Minas Gerais – , foi uma impactante catedral sonora de grande efeito e potência artística. A obra termina em um emocionante enlevo quase transcendental.

Sem dúvida o sucesso do Concerto para orquestra de Martinelli, recebido com entusiasmo pela boa plateia que ocupava a sala, deveu-se também à ótima execução da Filarmônica de Minas Gerais. Os instrumentistas, concentrados, responderam com convicção e competência às exigências da partitura. 

Depois do intervalo, a Filarmônica de Minas Gerais recebeu a pianista sul-coreana Joyce Yang para a interpretação do grande Concerto nº 3 de Rachmaninov. E Yang, medalha de prata do Concurso Van Cliburn de 2005, não decepcionou. Com virtuosismo, sonoridade cuidada e dedilhado homogêneo, a pianista ofereceu uma leitura sensível da obra, que é considerada uma das mais difíceis de todo o repertório pianístico. Também aqui a Filarmônica demonstrou apuro técnico e senso de conjunto, sob a regência sempre assertiva e musical do maestro Fabio Mechetti.

Diz a lógica de programação, que criações contemporâneas não são as mais apropriadas para fechar uma apresentação, e isso é verdade. O encerramento com uma grande obra do repertório histórico, como este concerto de Rachmaninov, sempre funciona bem. 

Porém, pensando aqui depois dessa memorável apresentação da Filarmônica de Minas Gerais, creio que Martinelli conseguiu a proeza de criar uma obra que é aquela exceção que confirma a regra: a potência e vitalidade de seu Concerto para orquestra teria sido um ótimo fecho para a noite e não teria colocado na sombra o concerto romântico de Rachmaninov, a despeito de toda a qualidade da interpretação.

[Nelson Rubens Kunze viajou a Belo Horizonte e assistiu à abertura da temporada da Filarmônica de Minas Gerais a convite do Instituto Cultural Filarmônica.]

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Percussionista com sinos tubulares na apresentação da Filarmônica de Minas Gerais (divulgação, Bruna Brandão)
Percussionista com sinos tubulares na apresentação da Filarmônica de Minas Gerais (divulgação, Bruna Brandão)

 

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Comentários

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A experiência de tocar fora do palco é sempre rica e gratificante ! Especificamente nessa obra, o compositor explorou de forma brilhante a espacialidade sonora quando nos posicionou (Rafael, Werner e eu ) em 3 locais distantes e opostos da platéia superior da Sala MG. Foi incrível ver a reação positiva do público na hora dos aplausos. Daniel Lemos - Percussionista ( de costas nessa foto )

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